Ela estava miando alto, lá na cozinha, daquele jeito que ela mia quando traz alguma coisa para dentro de casa. A Nina, uma de minhas gatas, frajola marombada que, segundo consta, é mestiça de uma raça de gato gigante, o Maine Coon. A aparência geral e o comportamento correspondem, mas como foi resgatada ainda muito filhote, supostamente de uma criadora ilegal, não temos exatamente como saber. Para nós é uma gigante nanica e ponto final.
Além de tudo é meu grude, aliás, junto com a outra gata frajola, a Chica, e a cachorra preta e branca, a Gigi. Para uma família de Corintianos não fanáticos isso é até engraçado. Para que vocês, leitores, tenham uma ideia do que estou falando, neste exato momento em que escrevo, Gigi e Nina estão no meu colo, uma de cada lado. Gigi porque é uma cachorra que acha que é gente e a Nina, uma gata que acha que é cachorra.
Para onde vou, lá seguem as duas, como minhas sombras e é claro que eu adoro, muito embora em certos momentos isso seja um pouco constrangedor, mas é inegável que quem entra com a gente no banheiro é porque nos ama incondicionalmente, principalmente em se tratando de criaturas cujo olfato é aguçado ao extremo.
As duas tem outras coisas em comum. Enquanto a Gigi traz os brinquedos para que eu os arremesse até quase meu braço ficar amortecido, só para ela trazer de volta, correndo feito louca pela casa, a Nina tem o hábito de trazer pequenos presentes. Por sorte que, ao contrário da Chica que já me trouxe morcegos, pássaros e outros pequenos animais (socorro!), a Nina, talvez pela preguiça de caçar ou para ser inovadora, costuma trazer folhas que acha pelo quintal.
Não pensem os leitores que ela faz isso sem segundas intenções, porque no mais das vezes ela espera, como sinal de legítimo reconhecimento, receber petiscos. Glutona, vivemos recolhendo folhas por todos os cantos enquanto somos obrigados a negar a guloseima que não deve ser comida o dia inteiro.
Assim, hoje, enquanto eu falava ao telefone, em uma ligação de vídeo com uma de minhas irmãs, eu reclamava que estava cansada e que sequer havia jantado. Foi quando a Nina pulou sobre a mesa e simplesmente colocou uma minhoca viva sobre o teclado do meu computador para, em seguida, ficar me encarando com ares de quem realizou um grande feito.
Tive que recusar o lanche tão gentilmente servido e, sob os olhos acusadores de um felino ofendido, levei a pobre minhoca de volta para terra. Sem dizer que a coitada era tão pequena e magra que nem daria para matar a fome, caso me apetecesse. De todo modo, não dei o petisco para não incentivar uma matança sem precedentes. Prefiro o chão forrado por folhas.
Como está bem frio aqui na cidade de São Paulo, de onde escrevo e vivo há quase dezesseis anos, toda a galera da casa, gente e bicho, anda cheia de fome e por onde eu vou há pedidos (ou ordens?) de comida. Em momentos assim, quando todos estamos aquecidos, alimentados, ainda que recusando anelídeos, penso em quantas pessoas e animais lutam pela vida nas ruas, sem ajuda, sem alento, sem esperança.
Não gosto mais dos animais do que gosto das pessoas. Na verdade, gosto tanto quanto. Ao menos de algumas pessoas.
Seja como for, é um privilégio ter quem nos prepare uma refeição ou quem nos traga uma minhoca. Que saibamos apreciar os momentos mágicos e simples que a vida nos oferece e que, no mesmo espírito, possamos retribuir o afeto, tanto a quem nos ama, bicho ou gente, como a quem precisa.