E às vezes tudo era silêncio. Não aquele tipo de silêncio que é o avesso do barulho, mas o que representa o vazio, a ausência de palavras e de sentimentos. Naqueles momentos ela se deixava estar, parada na mesma velha cadeira de balanço, com os olhos fixos na fotografia amarelada, na imagem presa na moldura já desgastada.
Desde que o filho único partira, meses atrás, ela também se fora, embora tenha ficado. Eram somente os dois havia tempos. Na rotina das horas que agora pareciam curtas demais, ela preparava o café e o pão com manteiga como ele gostava. Planejava os almoços da semana, dando-se ao luxo de algo melhor para os domingos.
Menino tímido, trabalhador, tinha os mesmos olhos do pai, escuros e pequenos. Quando criança ela o chamava de Curumim, essencialmente quando o menino corria pelado pelo quintal, fugindo da hora do banho. Viva com o cachorro da família a tiracolo. Onde um estivesse, lá estaria o outro. Eram inseparáveis. Quando o vira-latas Caramelo morreu, já bem velhinho, tendo vivido a boa vida de um cão, deixou um espaço que ninguém mais quis preencher. E assim, uma vez mais, três passaram a ser dois. Agora, dois eram apenas um.
Era estranho como tudo muda em um repente. Ele se fora enquanto ela não se dera conta. Seu menino, seu tesouro, seu mundo, um lugar agora vazio, ocupado pelas lembranças e a saudade que parecia não encontrar limite. Diante do prato de macarrão intocado, o preferido do filho, ela encarava o nada, perdida onde antes se achava com facilidade.
Já fazia muito tempo que não recebia notícias, que ninguém mais o vira ou dele ouvira dizer. O corpo não fora identificado entre os dos colegas, nem mesmo localizado entre os feridos que foram levados aos hospitais daquela região tão distante para onde ele havia ido em uma missão evangelizadora.
Era pouco mais do que um menino quando partiu, atendendo ao que acreditou ser o chamado da existência dele. Queria ser um missionário, levar esperança e conforto aos que necessitavam. A mãe tentou dissuadi-lo a todo custo. Ele poderia fazer o bem ali mesmo onde moravam. Tinha tanta gente a quem ajudar. E a ela? Quem ajudaria? Como ele podia levar dela a alegria?
Nem todas as lágrimas do mundo foram capazes de detê-lo e depois de um abraço que ela queria eterno, capaz de amarras, ele se foi, repleto de propósitos, deixando-a sem nenhum. Ele ligava sempre que podia, apenas para dizer a ela que estava feliz e que voltaria para dividir com a mãe as emoções que iam fazendo dele um homem. Durante dois anos ela chorou todas as manhãs, sem ter para quem passar o café, mas se armava de fé e ia dormir contando os dias para o filho voltar.
Quando o telefone tocou em uma manhã qualquer, ela recebeu a notícia do acidente como se não fosse ela, como se não fosse com ele. Não podia ser verdade. Logo descobririam que era um engano, que ele havia escapado, que a vida não lhe dera mais esse golpe. Os dias foram se sucedendo e ele foi dado como desaparecido. Depois disso, tudo o que ela tinha era um arremedo de vida, um fiapo de tempo que ela tinha que cumprir antes de se despedir de tudo.
Quase um ano depois do dia mais triste que ela conhecera, a campainha tocou. Era um domingo e aquele mês de maio estava especialmente frio. Pensou em não atender, em deixar que tocassem até que desistissem, mas pela insistência, com receio de incomodar os vizinhos, ela se arrastou até a entrada da casa e abriu a porta. Talvez ela tivesse, por fim, morrido – pensou. O Céu deveria ser de verdade. Ali, parado em frente a ela, estava o filho. Tinha cicatrizes aparentes e era um homem, porém ainda o garotinho dela. Choraram e as águas daquele pranto levaram embora o tempo que não foi, mas que ainda poderia voltar a ser.
Era Dia das Mães e o milagre se fizera. Ele poderia explicar tudo depois. Tinha sobrevivido e retornado. Era só o que importava. Agora, ela só queria fazer café e buscar pão quente. Dentro do peito, o coração achara o compasso outra vez.