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filho

Quando ela chegasse traria biscoito com mel, certeza. Não falhava nunca e ela sabia qual era o mais gostoso. Aqueles com buraquinho no meio eram os melhores, mas o mel escorria por ali. Mamãe sabe dos meus gostos e trará os quadradinhos, perfeitos no sabor também. Ela estava demorando um pouco para vir dessa vez. Preferia não chorar na frente dela, mas às vezes não conseguia ser sempre um bom menino.

Assim que Helena entrou no quarto, a passos lentos e cansados, carregando a velha bolsa com biscoitos, o sorriso de João se abriu, sem dentes. Era até engraçado vê-lo esticar os braços na direção dela, incapaz de sair da cadeira de rodas, pedindo colo, mas aquela imagem só despertava nela uma tristeza imensa.

Sentou-se diante dele, tomou-lhe as mãos grandes e ossudas, acariciando cada marca do tempo, a traçar com a ponta dos dedos o caminho das veias saltadas. João era seu marido, mas também se tornara seu filho. Maldita demência. De nada adiantavam as tentativas de convencê-lo do contrário. No começo, verdade seja dita, ela bem que tentou.

Não era mãe dele, não! Eram casados, de papel passado e tudo, depois de cinco anos de namoro, mas ele só olhava para ela, perdido sabe-se lá Deus por onde.

Helena fazia visitas semanais a João depois que tiveram de interná-lo. Cláudio, filho único, ajudava nas despesas, mas não suportava o fato do pai não o reconhecer. Aparecia vez ou outra, como no aniversário de oitenta anos de João, havia dois meses.

O velho sempre ficava feliz com as visitas. “Era tão gostoso receber carinhos da mamãe, cada dia mais bonita. Quando crescesse se casaria com uma moça assim também, mas só se ela fosse boa em fazer biscoitos quadrados e gostasse de mel. Ele queria correr para junto dela, mas as pernas estavam pesadas, esquisitas. Será que poderia ir no colo?

Cansada, ela também já tão perto das oito décadas, Helena observava enquanto João comia, deliciado. Ao menos ainda podia usar as mãos. Ah, aquelas mãos que tanto prazer e conforto tinham dado a ela. Ainda eram as mesmas? Eles, com certeza, não eram mais o mesmo casal. Sequer eram um casal. A vida era uma jornada cruel. Nenhum deles merecia nada daquilo. Ou mereciam?

Ao término das horas e dos biscoitos, Helena se aprontou para ir embora. João, percebendo os movimentos, esboçou um choramingo, mas ela o abraçou forte antes que as lágrimas viessem. Por um instante ela o sentiu, o seu marido, naquele abraço e quis se demorar ali para sempre. Estaria imaginando coisas?

Separou-se dele a contragosto, esperançosa de que ainda houvesse algum futuro para os dois. Quem sabe da próxima vez? Os médicos não sabem mesmo de nada, no fim das contas. Precisava ligar para Cláudio. Na semana seguinte iria com o vestido que usara nas Bodas de Ouro. Era importante provocar memórias.

Foi-se embora feliz, repleta de planos, antes de ouvir João que se queixava às cuidadoras, da mãe que nunca o levava embora daquele lugar.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada e roga ao Universo que, nos estertores da jornada, não leve sua mente, esquecendo-se do seu corpo – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br