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rato 1

Tomei um susto enorme ao vê-la ali no chão, inerte, enorme. A ratazana jazia ao lado de uma das composteiras da praça. Marrom e cinza, parecia morta havia poucas horas, talvez na noite anterior. Minha primeira reação foi de asco, porque somos criados sob o conceito de que os ratos urbanos são sujos e transmitem doenças. Classificados como pragas, devem ser exterminados.

Não estou afirmando que devemos colocar os ratos para dentro de nossas casas, tampouco que não haja questões de saúde publica envolvidas, mas não consigo deixar de pensar que é paradoxal que os ratinhos de desenhos sejam tão adorados no universo infantil, haja vista o símbolo do maior e mais famoso parque de diversões do mundo, mas que sejam presenças reais tão abomináveis.

O fato é que não consegui olhar para aquele animal, repleto do vazio da morte, e pensar nele como lixo, como algo que devesse ser somente retirado das vistas humanas o mais rápido possível. De início me perguntei como teria morrido, porque nada havia de visível nele que desse indicações da causa mortis. Supus, assim, que algum veneno seria o agente causador.

Se tudo que respira, que se move, que existe, quer viver, então posso supor que o rato também tivesse esse desejo, esse instinto e que sofreu ao consumir algo que foi possivelmente paralisando seus órgãos internos. Pode parecer impensável para muitos, mas eu realmente me questiono se temos esse direito.

Há pouco mais de um ano participo, semanalmente, das atividades de compostagem coletiva no meu bairro. Durante a semana, separo todo o lixo orgânico que pode ir para composteira, armazenando-o em um balde e, aos domingos, levo para ser pesado e colocado para se transformar em composto rico em nutrientes, destinado a adubar praças e outros espaços verdes, coletivos.

Ao encontrar a ratazana naquele ambiente cuja premissa e devolver à natureza o máximo possível, com o mínimo de impacto, descartar aquele corpo como lixo me pareceu sem sentido e incoerente. Como ajuda de um colega de compostagem, fizemos uma cova, à sombra de uma das árvores da praça e lá depositamos os restos mortais do bicho. Coberto de terra, deixava de causar asco aos olhos humanos, sendo acolhido por aquela que é mãe de todos nós.

Juntos, fizemos uma breve prece, no desejo de que a vida que ali esteve, possa, assim como a nossa, algum dia, achar sentido para a existência. Penso que ainda há muito a entendermos sobre o existir, nosso e das criaturas que amamos, exploramos, odiamos e matamos. Talvez, daqui a centenas de anos, se não tivermos causado nossa própria extinção, tudo isso não pareça um devaneio ou conversa de gente que vive no mundo da Lua.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e vive sempre no mundo da Lua – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br