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aquarela

—Que cores você vê quando olha para cima, para o céu?

—Azul? Cinza? Sei lá.

—Quase isso! Parece cinza, mas é um cinza ótico, formado por várias outras cores que, juntas, formam esse tom. Mas olha direito que você ainda é capaz de encontrar essas outras cores lá no meio.

Naquela época meus conhecimentos sobre teoria das cores eram restritos ao que eu aprendera na escola. Misture azul e amarelo para fazer o verde. Vermelho e azul para conseguir um roxo. Para o laranja, amarelo com vermelho. Eu deveria ter imaginado, depois de, aos 4 anos, misturar todas as minhas massinhas coloridas, que aquela bolota verde acinzentada era um cinza ótico.

Graças ao Zuri, um dos meus primeiros professores de aquarela, pude compreender além da aparência simplória das cores, das formas, pois me apresentou a uma faceta da arte que eu não conhecia. Nessa semana, precocemente, a paleta ficou inteira gris, com a despedida eterna de um mestre aquarelista.

Cerca de doze anos atrás eu procurava na internet por alguma escola de artes próxima a minha casa, pois queria me aprofundar na aquarela, técnica da qual havia muito eu me enamorara. Encontrei o contato do Wagner Zuri, como ele era conhecido, e enviei uma mensagem através das redes sociais e assim nos tornamos mestre e pupila.

As aulas eram inicialmente ministradas na casa dele, dentro de uma pequena vila de casas geminadas, não muito longe da minha própria casa. Depois da aula ao ar livre, na qual meus olhos se abriram para cores que nem sabia que enxergava, as aulas ocorriam em grupos de quatro ou cinco alunos, em uma sala de aula improvisada. Nos intervalos tomávamos café na cozinha, sempre acompanhado de bolachinhas, em meio a muitas risadas.

Naquele espaço, tão íntimo, conheci pessoas incríveis, artistas talentosos, ilustradores, desenhistas e fiz amizades que se estenderam nos anos e se intensificaram dentro de mim. Lá também aprendi que minhas tintas eram escolares, meu papel de baixa qualidade e meus pincéis poderiam ser bem melhores. Rapidamente entendi que o professor tinha toda razão e embora a arte possa se superar em meio à escassez, ter bons materiais faz muita diferença.

Tempos depois o Zuri montava uma escola de artes, para onde as aulas foram transferidas. Frequentei o espaço durante vários anos, cursando outras técnicas, ampliando meus conhecimentos de artista amadora e me profissionalizando nas novas amizades que foram surgindo. Mais café, mais risadas, bolinhos, tintas, pincéis, tudo junto e misturado agora na minha memória.

Durante a pandemia meu amigo e professor alçou outros voos e se instalou em novo espaço, cheio de planos e projetos. Fiquei de fazer uma visita quando possível, mas de longe, pelas redes sociais segui acompanhando as obras que ele produzia. Era um apaixonado por pássaros, os quais retratava divinamente.

Como qualquer amizade, nada é perfeito. Tínhamos divergências políticas, mas nunca brigamos por isso. Na essência, éramos amigos, daqueles que riem juntos e falam bobagens inofensivas e indispensáveis. Há alguns meses, no entanto, ele adoeceu inesperadamente. Neste momento em que escrevo, ele ainda nem foi sepultado. Partiu cedo demais. Voou para longe como os pássaros que ele transmutava no papel, com água e tinta. Parece mentira, mas é a vida. Ou a ausência dela. Meu amigo tinha um bordão que, nessa hora, bem resume o que deve ser: “Deus odeia os covardes.” Aos corajosos, ele dota de asas, concluo, por fim.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e hoje sente falta das cores – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./ www.escriturices.com.br