Não faz muito tempo que eu aprendi a conjugar o verbo procrastinar. Acho que passei a maior parte da vida procrastinando, mas sem nomear corretamente minha atitude. De alguns hábitos, no entanto, a gente não se livra ou ao menos, não impunemente.
Desconheço o momento em que comecei a deixar as coisas para última hora, vivendo perigosamente, porque eu me lembro de que nos primeiros anos escolares, preferia fazer as tarefas logo após as aulas, tudo para ficar com o restante do tempo livre. Em algum momento, entretanto, mudei alguma chave interna e passei a inverter a ordem das coisas.
Para meu azar, nunca mais consegui reverter isso de modo efetivo. Foram muitas as noites nas quais passei estudando para provas que seriam na manhã seguinte, bem como fazendo trabalhos que deveriam ser igualmente entregues em poucas horas. É preciso deixar claro que a coisa toda não é exatamente consciente, mas um processo complexo e misterioso.
No meu caso tudo começa com um pensamento de que ainda falta bastante tempo e que será tranquilo cumprir o prazo estipulado. Anoto na agenda que preciso fazer as coisas com antecedência, mas me ocorrem um milhão de outras tarefas que misteriosamente ganham prioridade. É em momentos como esses que começo a arrumar armários, organizar livros por ordem de assunto, entre outras coisas.
Passados alguns dias eu ainda me sinto segura de que não há razões para me desesperar, eis que há tempo de sobra, mas em um repente, sem que eu me dê conta, estou na véspera do prazo e todos os imprevistos, puro reforço da Lei de Murphy, dão as caras. Aí ligo o botão do desespero e coloco todos meus neurônios em estado de atenção, quase como se brincassem de roleta russa.
Passei muitos apuros por conta disso, embora, no geral, eu tenha dado sorte, mas sempre me pergunto se poderia ter feito melhor ou se realmente só sei trabalhar melhor desta forma. De verdade não gosto de ser assim, mas como escrevi no início do texto, foi algo em que me tornei sem planejar.
Como advogada, isso é péssimo, eis que não raras vezes os prazos são inadiáveis e nem posso pensar em perder um deles. Assim, forço-me a, ao menos neste setor, concluir tudo com ao menos um ou dois dias de antecedência. Preciso quase me enganar para isso, a fim de evitar meu espírito procrastinatório dominante. Marco em meu calendário forense os prazos antecipados, como se terminassem um dia antes e, ao menos até o momento, tenho me saído vitoriosa.
É preciso registrar que tenho tentado mudar, porque adoraria ser a pessoa que cumpre tarefas com calma, mas a adrenalina das urgências é viciante e quando me dou conta, estou novamente enamorada da procrastinação. Sei que muitas pessoas sofrem do mesmo mal, mas há outras tantas, as quais invejo com sinceridade, terminam tudo antes, que têm a paciência e a organização para fazer as coisas com calma. E você, leitor, é um procrastinador?
Então meio que já me conformei que meu modus operandi de viver é movido a fortes emoções. Programo tudo e cumpro, mesmo às custas do desespero. Uma coisa sei que fiz antes da hora, porém: nasci. Contrariando as previsões médicas, resolvi antecipar minha estreia neste mundo. De lá para cá, penso, fui perdendo a pressa. Só não consegui procrastinar o tempo, que anda rápido demais, sempre à revelia dos meus planos, sempre zombando de mim.