Minha vontade hoje é de escrever sobre um tema do qual normalmente não gosto e ao qual não costumo dedicar minhas linhas. Contudo, em tempos sombrios de censura à liberdade de expressão, ainda que se tente justificar o injustificável, é com a voz presa na garganta e com as palavras amarradas nas pontas dos dedos que escreverei sobre o que ainda se pode falar.
Conforme já escrevi em outras ocasiões, eu crio abelhas sem ferrão. São abelhas pequeninas, nativas brasileiras, dóceis e inofensivas. Comprei as colmeias, que vêm em pequenas caixas de madeira e as coloquei no nosso pequeno quintal, entre as muitas flores que cultivo em vasos.
Jamais tive coragem de retirar delas qualquer quantidade de mel, embora saiba que é possível fazê-lo de forma a não as prejudicar, mas meu objetivo foi propiciar, ainda que em escala micro, que essas valiosas trabalhadoras possam se multiplicar e formar outras colmeias pelos arredores, mesmo nesse ambiente urbano.
Uma das colmeias é de abelhas jataí e acredito que meu primeiro impulso de tê-las aqui comigo se deve a uma lembrança de minha infância. Meu avô paterno, há muito falecido, Seu Zé, vivia tentando capturar uma colmeia dessa mesma abelha. Havia uma delas em um lugar impossível de ser retirado, nas frestas de uma estrutura de alvenaria e ele todos os anos tentava, esfregando folhas de erva-cidreira em uma cabaça, atrair uma parte do enxame. Nunca deu certo, mas tentamos por muito tempo e essa é uma doce memória afetiva, daquelas que a mente opta por não apagar, até porque não há, ainda, tribunal que determine que se faça isso.
Há alguns dias, enquanto eu pesquisava outro assunto, encontrei uma notícia sobre a abelha lambe-olhos, cuja existência desconhecia completamente. Trata-se da menor abelha do mundo, que mede cerca de 1,5 milímetros. Com ferrão atrófico, é incapaz de picar e seu meio de defesa é lamber a secreção dos olhos de quem, humano ou bicho, tentar atacar a colmeia.
De coloração toda preta, é encontrada em grande parte do Brasil, mas está em risco de extinção. Curioso é que se trata de uma espécie resistente às intempéries e que se adapta bem às aglomerações urbanas. O que me encantou é que os meliponicultores (criadores de abelhas sem ferrão) criam essa espécie em caixinhas de acrílico, transparentes, sendo possível, assim, observar toda rotina da colmeia.
Assim que vi as imagens dos favos, que são em formato de minúsculos e delicados cachos de uva, contatei o meu fornecedor e fiquei encantada com a beleza desse mundo em miniatura. São de fato tão pequenas que facilmente podem ser confundidas com mosquitinhos e eu preciso usar meus óculos de leitura para enxergar o vai-e-vem das operárias e da rainha.
Descobri há algum tempo que somente as abelhas nativas podem auxiliar na restauração de espaços verdes como por exemplo as matas ciliares, eis são as únicas que polinizam as igualmente nativas espécies. Assim, com a diminuição dos enxames que sucumbem pelo uso indiscriminado e abusivo de agrotóxicos, também vamos perdendo o pouco de verde que nos resta.
Meus três enxames não vão salvar o mundo, mas gosto de pensar que aqui estão protegidas e que anualmente, saindo da nossa casa, novos enxames saem para o mundo, procurando um novo lar. Dei um jeito de pegar nosso enxame, Vô. Elas são minhas, mas também são suas.