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metro

E depois de dois anos, lá fui eu, pela primeira vez desde então, usar o metrô como meio de transporte. Como minha vida mudou de rumo um pouco antes da pandemia, eu já vinha diminuindo bastante minha frequência como forma de me locomover. Depois do coronavírus então, aí sim que, trabalhando quase cem por cento em home office, evitei o quanto pude, mas apenas por conta de receio de contágio.

Agora, passado o pior e a vida, de um jeito ou de outro, retomando seu curso, precisei ir até o centro de São Paulo e decidi que o metrô seria o jeito mais rápido. Em verdade sempre gostei. Posso ir de um lado a outro sem enfrentar trânsito, lendo ou escutando algo que me interesse, como relativa segurança. Mas a grande verdade é que gosto de observar as pessoas. Todo cronista é um curioso contumaz, aliás.

Meu percurso seria curto, apenas seis estações de distância e o horário não era de pico. Chegando na estação, eu, que sou uma pessoa naturalmente confusa em termos de direção, levei alguns minutos para relembrar qual a linha que eu deveria seguir, se era direto ou se seria necessária alguma baldeação. Definida a rota, obviamente que eu não tinha mais nenhum bilhete e, assim, fui até a bilheteria.

Tomei um susto com o valor, mas como tudo aumentou de preço, era pegar ou largar. Pedi logo dez, porque não gosto de ficar em filas. O atendente me olhou e perguntou se eu iria usar tudo nos próximos três dias. Quase disse que não era da conta dele, mas educadamente perguntei o motivo do questionamento. Fui esclarecida de que o novo bilhete, que sei lá quando mudou, agora é impresso em papel térmico, igual àquele de extrato bancário, que apaga com o tempo. Comprei só dois, lamentando a escolha do material.

Enquanto eu comprava, havia um homem ao meu lado que de início julguei ser um pedinte. Depois me penitenciei por tê-lo julgado mal, eis que estava aparentemente esperando troco do caixa. Conversou comigo um pouco, vendo minha indignação. Assim que eu mesma recebi o troco, ele me olhou com uma cara triste e me pediu as moedas. Até aí, à exceção dos bilhetes com QR Code que se desintegram, tudo igual ao de sempre.

Desci até a plataforma de embarque e logo que as portas se abriram foi aquele desespero do povo para achar um lugar para se sentar, muito embora o vagão estivesse razoavelmente vazio até aquele momento. Duas estações depois e muitos idosos apareceram do nada, como se estivessem em uma convenção. Nessa hora, tem o pessoal que gentilmente cede o lugar e o que finge estar dormindo ou em outro planeta. A pandemia, novamente constato, não mudou em nada a humanidade, a despeito de qualquer manifestação midiática, poética ou política anterior.

Pouco depois, já no meu destino, desci na Praça da Sé, conhecido endereço da capital paulista. O cenário é desolador. Sujeira, miséria, abandono. Lotado de moradores de rua, fedendo urina, o centro da cidade é o retrato do descaso. Usuários de drogas cambaleando como mortos vivos, tudo isso misturado à voz dos pregadores que anunciam, aos gritos, a vinda do Salvador. Entre o vai e vem das pessoas que trabalham por ali, é impossível ficar alheia à situação.

Na volta, apressada para evitar o início da noite, usando meu superdelicado bilhete, já dento do metrô, devidamente sentada, entregaram-me bilhetes pedindo ajuda para comprar leite para os filhos e tentaram me vender quatro barras de chocolate a dez reais, promoção relâmpago antes que o fiscal aparecesse.

Nessa minha viagem de retorno, senti que na realidade, nunca fomos a lugar nenhum, até porque o fiscal, seja ele quem for, já tirou o time de campo.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e, nas entrelinhas do metrô, escreve crônicas para quem quiser ler – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./ www.escriturices.com.br