No ano passado a tentativa não foi bem-sucedida. Ao contrário, resultou em tragédia, sem nunca termos certeza sobre o autor dos crimes. Após certa análise do local, o pessoal da rua concluiu que um gato fora o responsável por destruir o ninho dos sabiás. Já haviam nascido dois filhotes que foram brutalmente assassinados, para desolação dos pais, que ficaram ainda uns dois dias rondando os destroços do ninho.
Aqui no nosso bairro temos, por ora, o privilégio de observar, nas áreas verdes que nos cercam, ninhos de algumas aves, como beija-flores, maritacas, João-de-barro, rolinhas, bem-te-vis e, entre outros, os sabiás laranjeiras. Assim, há quase um ano um casal do seresteiro da madrugada resolveu fazer morada em uma árvore da rua.
A árvore, de pequeno porte, não oferecia exatamente um porto seguro para as aves, mas por razões que desconheço, foi a escolhida. Admiradora de aves que sempre fui, acompanhei a época da postura dos ovos e da minha janela conseguia ver a mãe alimentando os filhotes famintos. Quando os filhotes foram mortos, ficamos todos desolados pelos novos pássaros que não cantariam no verão seguinte.
Quase um ano depois, no entanto, o ninho foi reconstruído, exatamente no mesmo local, em altura que me parece imprudente, de fácil alcance. Não tenho como saber se é o mesmo casal, mas desconfio que sim. Até o namoro terminar foram muitas noites de cantoria, uma toada lamuriosa, cheia de sustenidos, altas horas da madrugada.
Temos evitado demonstrações públicas perto do ninho, um acordo que fechamos entre vizinhos, até porque nunca me convenci completamente da culpa que recaiu sobre felinos sorrateiros. Contudo, permaneço admirando de longe, observando o vai-e-vem dos pais em busca de alimento, guardiões incansáveis sob o sol forte ou sob a chuva e o frio das últimas semanas.
A natureza é mesmo admirável e quer chamemos de perseverança, instinto ou fé, a vida busca brechas e não se dobra ou desiste facilmente. Não sei se desta vez haverá novos sabiás cantores ao término da temporada, mas torço todos os dias para vê-los ensaiando os primeiros voos, na promessa de ganhar os céus.
O sabiá-laranjeira é uma ave icônica, por sinal. Inspirou muitas músicas e poemas célebres. Resistente, sobrevive em meio ao cinza e a poluição. É um brasileiro por definição. Um bravo. E a imagem dos sabiás esperançosos (ou imprudentes?) remeteu-me a uma analogia. Neste momento em que escrevo o país todo vive a incerteza do que será após as eleições e admito que não faço a menor ideia, tampouco me sinto autorizada a engrossar o cordel dos fanáticos que dividem o país em lados adversários.
Acredito no conceito de democracia e não que a verdade, seja lá o que isso for, esteja apenas de um lado. Por óbvio que tenho minhas convicções, mas neste campo em específico, assim como tantos similares, busco a imparcialidade, o que as pessoas confundem com abstenção. Complicado.
Enfim, leitor, se você chegou até estas linhas finais, sabe melhor do que eu se já temos ou não novos dirigentes. E se as coisas não forem como desejamos, cada qual a seu modo, sigamos juntando outros galhos, outras folhas, enquanto nos é dado reconstruir novos ninhos, novas promessas de futuro, afinal de contas, “nossa terra tem palmeiras, onde canta o sabiá”.