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amoreira

Quando eu vi, um pouco antes da pandemia, que nascia uma planta na área verde de um de meus locais de trabalho, soube que era uma amoreira. Incumbida que eu estava de fiscalizar a limpeza do mato que precisava ser retirado do local, orientei ao jardineiro para não retirar aquela que era promessa de frutos deliciosos.

Pouco mais de dois anos depois e a pequena planta se transformou em uma árvore alta e frondosa. Pela minha experiência anterior com amoreiras, os primeiros frutos já deveriam ter aparecido, mas ao invés deles, só notei umas estruturas parecidas com amoras atrofiadas, que após ficarem ligeiramente brancas, secavam e caiam. Estranhei, mas pensei que poderia ser algo pontual, talvez causado por falta de adubo adequado.

Aqui no bairro onde moro há muitas amoreiras e mesmo as menores delas estão carregadas de pequenos frutos de cores entre roxo e vermelho que são devorados à exaustão pelos muito pássaros da região. Então, voltei a ficar desconfiada daqueles estranhos frutinhos e fui procurar no oráculo moderno, o Google.

Confesso que eu tinha uma suspeita, pensando no que acontece com os mamoeiros, mas ainda assim fui conferir. De fato, descobri que temos uma amoreira macho, que nunca dará frutos. O que eu julgava serem princípios de frutos eram na realidade pequenas flores, mas flores do sexo masculino. Sim caro leitor, as flores também podem ter sexo!

De pronto eu soube que, ao menos daquela árvore, não viriam os frutos que já tinham se transformado previamente, em nossos planos, em geleias e sucos. Cortar a árvore, ao menos no que depender de mim, está fora de questão também. Primeiro porque a árvore está frondosa e nitidamente saudável, brindando a todos nós com uma deliciosa sombra e segundo porque, após minhas rápidas pesquisas, tais flores são extremamente importantes para as abelhas nativas e para as amoreiras meninas.

Aprendi também que algumas plantas produzem flores que possuem os dois sexos, hermafroditas, enquanto outras produzem flores dos dois sexos, mas separadas. Nesses dois casos, com uma ajuda de insetos como abelhas e outros, além de uma forcinha do vento, os frutos virão. O problema ocorre quando a planta só produz flores masculinas, sendo chamadas de dióicas. Isso acontece com amoras, figos e kiwis, entre outras de uma lista bem pequena. E assim ficamos nós com nossa árvore menino, também bem-vinda.

Para minha especial tristeza, mesmo diante de tantos fenômenos climáticos desastrosos, muitas pessoas se valem de argumentos vazios para justificar cortes indiscriminados de árvores, sempre culpadas no tribunal da ignorância por serem muito altas, por fazerem “sujeira” ou simplesmente porque estragam calçadas. Lógico que há situações nas quais a remoção é necessária, mas os cortes criminosos são a imensa maioria, lamentavelmente.

O mais cruel é que as árvores, mesmo sendo gigantes, longevas, são indefesas, presas ao chão, incapazes de fugir de seus algozes. Talvez por isso tenham seus braços voltados ao céu. Diante do machado e da serra, continuam a florescer, a enfeitar o mundo, a servir de lar para pássaros e outros animais e a alimentar muitas bocas, mesmo as minúsculas como as das abelhas.

Em um terreno onde antes estava uma velha casa, demolida para construção de mais um prédio, notei uma mangueira imensa, linda. Terá em breve o mesmo destino da casa, por certo, mas nem por isso deixou de cumprir seu ciclo, seu papel. Estava florida, saudando os insetos polinizadores e preparando frutos que talvez nunca cheguem a amadurecer. A árvore segue, corajosa, vivendo o que pode viver, e isso deveria ensinar algo aos seres humanos, mas seguimos imbecis, preocupados com coisas que não poderemos levar deste mundo, incomodados com as flores que não são de plástico.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e abraça árvores sem o menor constrangimento – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br