Todas as semanas, há vinte e dois anos, separo um tempo para escrever o texto que segue para publicação nos jornais. Em alguns momentos tenho tantos temas se anunciando e brincando de roda em minha mente que fica até difícil escolher. Há dias nos quais o texto já surge pronto, somente esperando a hora de ir para o papel. Nesse tempo todo já tive ainda, várias vezes, o famoso branco, a ausência total de inspiração.
Hoje, depois de protelar ao máximo, entendi que não nasceu em mim nenhuma ideia em específico, porque talvez eu não esteja com ânimo literário para grandes dilações. Vivemos tempos delicados, nos quais escrever sobre temas polêmicos pode gerar inimizades, mal-entendidos, cancelamentos e até processos. Complicado demais isso em ano de eleições, entre outras coisas.
Tenho assistido às entrevistas com os candidatos à presidência da República, mas nem me atrevo a escrever sobre isso, sobretudo emitindo juízo de valor. Primeiro porque, em meu sentir, os entrevistadores são extremamente parciais, o que já prejudica qualquer análise e segundo porque seria minha opinião e ela só interessa nas urnas. Ademais, essa dicotomia partidária extremista me cansou há tempos, bem como me cansa o discurso daqueles que, não satisfeitos em professar suas verdades, se utilizam de frase prontas na tentativa de imputar aos outros omissões que não lhes pertencem. O silêncio, meus caros, também é protesto.
Recentemente um juiz trabalhista aqui de São Paulo tem sido alvo de denúncias de assédio sexual e, de acordo com o noticiário, até de uma tentativa de estupro. As últimas atualizações dão conta de mais de oitenta mulheres denunciantes. Eu conheço pessoalmente o juiz em questão, pois trabalhamos no mesmo cursinho durante vários anos.
Solteiro, moço, sempre ouvi dizer que vivia no meio das meninas, mas jamais poderia imaginar os desdobramentos, porque ele sempre me pareceu uma pessoa do bem. Agora, diante de tantas denúncias, nem sei o que pensar, exceto que as aparências podem enganar. No mais, lamento profundamente e espero que a Justiça seja feita. A vida é feita de escolhas, no fim das contas.
Em alguns aspectos, porém, as escolhas são feitas em outras esferas, ou são resultado do caos e da alea que chamamos de existência. Eu de fato, para ser muito honesta com você leitor, não sei como me posicionar quanto ao Divino. Oscilo entre um acreditar e um temer de que não haja nada do outro lado, exceto um fim. Assim, também nos últimos dias, tenho acompanhado a luta pela vida de um cachorrinho que foi resgatado das ruas, ainda muito filhote. Protetores o acolheram para posterior adoção, mas uma amiga querida o levou para casa, em lar temporário, na tentativa de proporcionar a ele mais conforte e reestabelecimento do que parecia um resfriado.
O problema é que se constatou ser bem mais do que isso. Ele tem uma doença séria, que ataca filhotes e que não raras vezes leva ao óbito. Minha amiga tem se desdobrado em cuidados e em gastos veterinários e aparentemente o cãozinho, batizado de Bento, vinha melhorando. Vimos todos uma esperança surgindo. Ele costumava ser muito alegre, brincalhão, cheio de alegria de viver. Desde ontem as melhoras cessaram e ele não está bem. Não sabemos se sobreviverá. Daí eu me pego pensando na razão pela qual o sofrimento existe e a resposta, tão filosófica e existencial que é, não cabe na pequena compreensão que tenho. A vida é apenas um frágil fio. Quem a segura na outra ponta é a grande questão humana.
Então, às vezes, só consigo derrubar no papel o peso dos meus fragmentos, no desejo de que isso me alivie um pouco. O papel, que há minutos era branco, agora se preenche dos meus fragmentos. Assim, como eu, há dias em que todos somos estórias, causos, luz. Nos outros, estamos apenas em busca de sê-lo.