—É por causa de gente como você que eles são como são, Amanda.
—Como assim gente como eu, Luzia? O que foi que eu fiz?
—Para variar, nada. E isso é a principal causa de tudo. Vocês não entendem o nosso lado, porque para vocês tudo sempre foi muito fácil.
—Luzia, não viaja. É sempre a mesma conversa. Que porra de lado é esse em que você está e eu nunca estou? Ajudaria se você desse conta de explicar a causa dessa revolta que anda pendurada canto da sua boca.
—Ahhhh, olha aí! Opressora. Agora quer que até meu sorriso se amolde aos padrões socialmente considerados corretos. Eu falo, não há liberdade para o meu povo, Amanda.
—Ok, desculpa. Ria como quiser. O problema é seu. Só queria entender por que é que você fica me acusando o tempo todo, mas quando defendo alguém que você não gosta, a conversa é outra. Só me explica.
—Viu só?! Seu discurso reforça minhas teses.
—Teses? Você só repete frases prontas. Quero saber a sua opinião sobre isso. Ele é culpado ou inocente?
—Obviamente culpado. Opressor, canalha. Exigimos providências efetivas e não aceitamos nada menos do que o cancelamento e o banimento dele.
—Mas o processo já terminou?
—Amanda, Amanda, minha inocente Amanda. O processo é apenas uma criação burocrata criada para moldar a sociedade de acordo com os valores retrógrados dos tiranos do Poder. A culpa está estampada na cara dele. Inclusive aquela moça, aquela da internet, que tem um canal, sabe? Então, ela já falou que ele é o culpado mesmo. Já tem quinhentos mil likes. Do que mais você precisa?
—Luzia, acho que você está louca, isso sim. As pessoas têm direito à defesa, sabia? E o que é que likes tem haver com Justiça?
—Tudo, Amanda. Tudo. É que vocês não entendem, já falei. Quando meu povo se levantar, quando nossa voz se fizer ouvir, vocês vão ver só.
—Mas e se fosse com você? E se te acusassem da mesma coisa? Gostaria que fizessem o mesmo? Que qualquer um falasse o que bem desse na telha sobre você? Sem você ter direito a dar a sua versão? Sei lá, acho isso muito ruim.
—Eu nuncaaaa faria aquilo, para começo de conversa. Você me conhece e não é de hoje! Então quem não deve não teme.
—Ah, injustiças não existem, é o que você está dizendo? Ou isso é um conceito vago, que você preenche como convém?
—Amanda, você percebe a injustiça de suas palavras? Você por acaso está me acusando? Se for isso já me fala logo, na cara, se tiver coragem. Meu povo já está cansado de ser ofendido por tudo e por todos, especialmente por gente como você, que se omite e ataca.
—Luzia, para com essa palhaçada. Deita e dorme que amanhã cedo a mamãe vai nos deixar na escola antes do trabalho.
—Tá bom Amanda. Você quem manda. Um dia meu povo se levantará, você vai ver. Boa noite e ah, me empresta seu Ipad que estou sem sono? Vou dar uma fuçada no YouTube.