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 vento

Não sei se fui sempre assim, mas não gosto de vento. Exceção honrosa faço para a brisa, principalmente se for na praia, em um dia de sol, ou em tardes abafadas, prenunciando a noite amena. A brisa refresca, alivia, acalma, acaricia. O vento é outro departamento. Bagunça tudo, desde o cabelo que me entra pela boca ou me invade os olhos, até minhas ideias.

Em algum momento de minha vida o vento e eu tivemos alguma espécie de ruptura e desde então não recuperamos nosso relacionamento, talvez algo que seja definitivo, no fim das contas. Pode até ser que haja certa dose de implicância de minha parte, mas o sujeito é desaforado. Bate portas, janelas, levanta saias distraídas e rouba chapéus desprevenidos. Sem dizer que traz frio ou poeira.

Quando muito nervosinho, muda até de nome e pode virar tornado ou furacão. Aí a coisa fica feia mesmo e desses eu tenho é pavor. Inclusive, segundo dizem, um ciclone extratropical andou fazendo turismo pelo Brasil nos últimos dias. As previsões eram meio assustadoras. Não sei exatamente o que ele causou nos demais lugares, mas aqui onde moro, na capital paulista, o frio pegou pesado. Veio de carona com o ciclone, só pode.

Sei que o vento tem seus pontos positivos, e quem é que não os tem? Mas não consigo mesmo simpatizar com ele. Quando venta forte sinto dores de cabeça e nas maçãs do rosto. Friorenta que sou, logo fico arrepiada, arrependida por estar ao ar livre. O vento é o responsável por deslocar o ar, levando embora aquele já respirado, viciado, e trazendo de volta o ar mais puro. Também arrasta com ele as chuvas, as sementes e alivia a temperatura, entre outras coisas, mas pode provocar muitos estragos, em contrapartida.

Então, digamos, é um sujeito temperamental. Quando criança eu costumava achar que o vento era palpável e adorava ler uma estória de uma sementinha que era levada por ele, vivendo muitas aventuras até cair em terreno fértil e se transformar. Pensava que um dia o vento poderia fazer o mesmo comigo e muitas vezes abri os braços em meio à ventania, esperando ser arrastada para o lugar de crescer e florescer.

Então talvez minha mágoa seja pela inércia do vento ou pela falta de GPS dele. Nos momentos em que o esperei em vão, fui obrigada a soprar para sair do lugar. Quando ele veio, sem avisar, sem que eu pudesse fazer as malas, deixou-me por aí, em locais onde não planejei ou quis estar. O vento soprou-me verdades que não escolhi, mas também me contou mentiras. Por isso prefiro a segurança e o conforto das brisas.

E quando agosto vem, mostrando que meio ano já se foi, o vento vem de reboque, provocando dias nos quais folhas mortas formam tapetes verdes e marrons, derrubando ainda as flores precoces dos ipês. Acho meio triste essa quase estação, antessala da primavera, de todo modo. Como as flores, prefiro me segurar nos galhos.

Dizem que o vento, além de outras coisas, leva palavras, tal qual um gatuno que se apodera do que é dito e não pode mais correr de volta para os lábios de onde partiu. E para onde ele as leva então? Será que as sai distribuindo por aí, a esmo? Corremos o risco de receber segredos alheios, soprados por um elementar qualquer, a serviço de Éolo? Ou, se tivermos sorte, quem sabe Zéfiro, o mais doce dos quatro ventos mitológicos possa nos sussurrar palavras de sabedoria e alento, vindas de dos outros cantos do mundo.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e um dia sussurrou segredos ao pé do vento – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com