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box

—Vêdi, eu tenho que levar uma roupa para tomar banho. Preciso de um vestido, uma calcinha e um perfume.

—Anda logo. A gente tem que sair rápido. A empregada não pode ver.

Corri para arrumar minhas coisas. Antes de sair dei uma olhada na minha irmã de um ano e meio que dormia em um dos quartos.

Minha prima e eu, minutos antes havíamos combinado de ir até a casa dela, sem que ninguém soubesse. Nossos pais haviam nos deixado sob os cuidados da mulher que ajudava minha mãe nos serviços domésticos, para irem ao velório de um familiar.

Três anos de idade nos separavam, mas brincávamos juntas o tempo todo e vez ou outra nos metíamos em encrencas. Naquela tarde, assim, resolvemos dar um passeio por nossa conta e risco, mas sabíamos que o único jeito seria saímos escondidas.

De minha parte havia um motivo secreto para querer ir. Na casa dos meus tios, diverso da nossa casa, havia um banheiro com box de vidro e eu acreditava que, fechadas as portas, seria possível enchê-lo de água até transformá-lo em uma espécie de banheira ou piscina. Aquela possibilidade alimentava minha imaginação e meus devaneios infantis.

Tratei, portanto, de providenciar o essencial para o meu tão sonhado banho e, sem que nos vissem, saímos as duas, com seis e três anos, para uma aventura. É bom que se registre que eram outros tempos e os riscos concretos eram muito menores, embora existissem.

De mãos dadas, seguimos caminhando pelos pouco mais de dez quarteirões de distância. No meio do caminho havia uma praça. Ou havia uma praça no meio do caminho? Bem, o que me lembro é de pararmos para um breve descanso em um dos bancos, ao lado de um mendigo. Abri minha trouxa de roupas, saquei de lá o meu frasquinho de perfume e achei por bem me perfumar. Aproveitando o ensejo, ofereci perfume ao mendigo que gentilmente recusou, não sem antes perguntar:

—Mas para onde vocês duas estão indo, sozinhas?

—Ela vai para casa dela. Eu vou tomar banho! Sabia que lá tem um box?

­—Sabia não! O que é um box?

—Ah, é uma coisa legal, tipo uma piscina.

Minutos depois estávamos na porta da casa dos meus tios, tocando a campainha que foi aberta por outra de minhas primas, já adolescente. Ela estranhou nos ver ali, mas a mentira que havíamos ensaiado no caminho foi suficiente para não levantar maiores suspeitas.

Depois de brincarmos e comermos um lanche, lá fui eu para o meu tão sonhado banho. Fechei tudo o máximo que pude e tapei o ralo. Quando a água estava formando um pequeno espelho, fui arrancada dos meus sonhos pela minha prima dizendo que meus pais haviam chegado e estavam muito bravos.

Após terem nos procurado por todo lado, temendo pelo pior, estavam os quatro com os nervos a flor da pele. Vesti o vestido de festa que eu havia levado, coloquei minha calcinha amarela, calcei meu sapato novo e, depois do perfume atrás da orelha, saí do quarto para enfrentar meu destino. Aquela roupa tinha um propósito e eu não iria embora sem um pouco de glamour, fosse como fosse.

Tomei a merecida bronca e retornei com meus pais para casa, sem entender ao certo o que fizéramos de tão errado. Era um plano tão simples. No caminho de volta, espiando pela janela do carro vi que o mendigo ainda estava lá, no mesmo lugar. Trocamos um olhar de mútua compreensão. Nem sempre a vida é como esperamos e nunca mais pensei em piscinas dentro de banheiros.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e um dia subverteu o sistema em busca de um sonho – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./ www.escriturices.com.br