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brincos

—Vai logo! Ela vem vindo. Tira daí.

—Eu? Nem matando. Você que deixou cair. Coloca a mão lá e pega. Puxa rápido.

—Mas tem o seu xixi lá dentro. Isso é muito nojento. Ecaaaa.

Minutos antes, as duas meninas, de doze e oito anos, brincavam com o par de brincos de pressão que retiraram escondido do porta-joias da irmã mais velha. Carla, que não tinha orelhas furadas, gostava de usar brincos exagerados, afinal eram os anos oitenta e a palavra exagero parecia ter outro significado, ao menos na moda.

As pequenas, que assim como irmã, não tinham orelhas furadas, divertiam-se às escondidas, usando as bijuterias dela, fazendo pequenos desfiles em frente ao espelho do banheiro. Naquela noite, faziam exatamente isso, daquela vez usando brincos enormes, pretos e reluzentes, os preferidos de Carla.

—Nossa, como ela aguenta usar isso? Parece uma frigideira brilhosa – dizia Telma, a mais nova, enquanto os balançava nas orelhas e jogava os cabelos para trás.

—Sei lá! Melhor a gente guardar logo. Acho que escutei o portão abrir. Se ela vir a gente usando, vai dar bronca – lembrava Irina, a irmã do meio.

—Só mais um pouco, vai. Não tô parecendo aquelas índias? Aquelas que usam um “trecão” para ficar com orelhas grandonas?

—Acho que são mulheres da África que usam isso. Chega disso. Vou guardar antes que a Carla pegue a gente aqui. Me dá logo.

Tentando tirar os brincos das orelhas de Telma, Irina puxou um deles com força que, liso que era, saiu literalmente voando, como um disco voador. O problema maior foi o local escolhido para o pouso de emergência: a privada.

—Aiii meu Deus, olha o que você fez, Telma!! A Carla vai te matar!

—Euuu? Nem vem! Foi você que puxou da minha orelha com força. Agora se vira e pega lá.

—Gente, mas tem xixi lá dentro, Tê. Essa sua mania de não dar descarga. O xixi é seu, então você que coloca a mão e pega.

De repente, as duas escutam alguém subindo as escadas. No sobradinho onde moravam, era impossível chegar ao andar de cima sem ser denunciado pelo ranger dos degraus de madeira.

Paralisadas, as irmãs fecharam a porta do banheiro. Carla iria matá-las, era certo. E elas ainda levariam bronca dos pais, de brinde.

—Meninas, o que vocês estão fazendo aí no banheiro? Eu tenho que me arrumar. Vou sair hoje para dar uma volta com o pessoal da escola.

—Nós? Ééé... tamo fazendo nada não. Já vai. Pera.

Em sussurros, entre risos e pavor, as duas sortearam quem iria pescar o brinco no mar amarelo em que ele boiava, inocente.

Quase chorando, Telma, que perdeu no par ou ímpar, sentiu-se aliviada quando Irina por fim jogou o brinco dentro da pia. Estavam salvas. Agora era lavar e colocar no lugar.

—Você me paga viu, Tê? – sussurrou Irina, oscilando entre o nojo e as risadas nervosas.

E foi nessa hora que porta se abriu num repente, pois as duas meliantes se esqueceram de trancá-la, e Carla entrou.

—O que vocês estavam aprontando, hein? Estão com uma cara esquisita. E o que o meu brinco está fazendo na pia, todo molhado?

—Nós? Nada. Ah, seu brinco? Você deixou aqui no banheiro. Caiu na pia. Sei lá.

—Eu já falei que não é para mexer nas minhas coisas. Mas me dá aqui então. Vou colocar esse hoje, só para variar.

E foi assim que Carla, após sacudir os brincos os colocou na orelha e saiu, feliz da vida, para uma noite adolescente da década de oitenta.

Muitos anos depois, Telma e Irina, já adultas, com olhares cúmplices, rindo até perder o folego, confessaram à irmã o crime. E foi assim que eu, Cinthya, soube que um dia usei Essência de Xixi n.5 como perfume. Até hoje não sei de fato se Tricya e Ivy me revelaram totalmente o conteúdo daquele vaso sanitário, o que prefiro morrer ignorando.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e foi enganada descaradamente pelas irmãs mais novas – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br