Últimos dias de 2021 e era inevitável pensar no ano que se aproximava. Para Mariana era sempre a mesma coisa. Ela sabia que nada mudaria só porque o calendário trocaria um número dali uns dias, mas ainda assim fazia planos. No dia 1º começaria o regime definitivo: zero carboidratos, muitas frutas vermelhas e suco de gabiroba. Tia Ângela tinha garantido que era tiro e queda. Se bem que o melhor seria começar no dia 03, uma segunda-feira.
Acho que nem faz muito sentido um regime começar no domingo, pensou Mariana. O churrasco na casa da tia Lila também não era propriamente um incentivo. Ela levaria pavê de uva e seria um desperdício não comer algo de que gostava tanto. Talvez ela tomasse algumas cervejas também. Cerveja contava como carboidrato? Precisava conferir esse ponto com a Tia Ângela urgentemente.
Por conta da pandemia teria que adiar outra vez a tão sonhada viagem para o exterior. Viajar de avião estava fora de questão. Mariana morria de medo de ficar tantas horas fechada em um local com pessoas que ela não conhecia e potencialmente contaminante. E se alguém espirrasse perto dela sem usar máscara? Se conseguisse escapar do Corona, poderia sucumbir pela nova gripe. Até o passeio para Cananéia era arriscado, porque ir de ônibus dava medo também.
—Vou passar as últimas horas do ano em um momento mais introspectivo mesmo – respondia ela a quem perguntasse, mas na verdade era pura falta de opção.
Não tinha recebido nenhum convite interessante para a virada do ano. Dona Joana, sua mãe, considerava tudo uma bobagem e acabava aceitando os plantões da enfermagem, todos os anos, voltando para casa apenas no dia 01, já tarde da noite. Ir para casa da Vó Maria, que fazia a vigília de vinte e quatro horas de São Epicuro estava fora de questão.
—Vó, eu acho que nem existe São Epicuro!
—Menina, deixa de blasfêmia! Minha mãe me contou toda vida desse Santo homem. Já consegui pelo menos três graças pela intervenção dele! Como você acha que minha verruga na coxa sumiu? Enquanto eu viver, São Epicuro vai ganhar uma vigília de orações nas primeiras horas de todos os anos novos. Ainda vou descobrir como fazer parte dos “Hedonistas dos Últimos Minutos”, pode apostar.
Mas em 2022 as coisas iriam mudar para Mariana. Ao menos ela acreditava que sim. Passaria sozinha, mas usaria seu melhor vestido. Talvez abrisse o espumante que ganhou na rifa da quitanda. Seu Chotohiro, o dono, garantiu que era coisa fina, mas ela nunca tinha ouvido falar daquela marca “Espuma de Cobre”. Enfim, teria que servir. Ademais, boas vibrações atrairiam coisas boas para o próximo ano e Marina apostava nisso.
E daí que ela ia passar sozinha? No fim seria apenas um dia como qualquer outro. Faria um brinde e dormiria cedo. Era uma mulher emancipada, livre para tomar as próprias decisões, sem as amarras sociais. Além disso, sempre poderia pintar um convite de última hora e se fosse o caso, estaria disponível, aberta às chances do destino.
O último dia do ano chegou sem novidades, no entanto. Não aguentou esperar até perto da meia noite para jantar e quatro cervejas depois, estava na sobremesa. À meia noite tomaria a champanhe e faria a simpatia de boa sorte que pesquisara na internet. Nesse ano não daria margem ao azar. Teria que brindar dando sete pulinhos, gritando aquilo que desejava. A regra era clara: não poderia derramar uma só gota ou tudo estaria perdido.
Cansada, acabou dormindo no sofá. Já passava das duas da manhã quando abriu os olhos, assustada. Estava arruinada! Seria outro ano árido. Tudo perdido. Tantos planos e ela tinha que dormir cedo justo hoje? Era mesmo a história da vida dela. Nem gostava de champanhe. Gastou o que nem podia e desconfiava da conversa mole do Seu Chotoriho. A mãe dela que estava certa, no fim era mesmo tudo uma grande bobagem, só um dia como tantos outros na vida solitária dela.
—Nem vou mais fazer é regime nenhum! Suco de gabiroba... Onde que vou arrumar isso? O pavê de uva que me aguarde, isso sim.
Decidida a dormir até a hora do churrasco na casa da tia Lila, Mariana ouviu uns miados que pareciam vir do lado de fora, do corredor. Ressabiada, abriu a porta e encontrou, surpresa, dentro de uma caixinha, um gatinho minúsculo, preto e branco. Junto dele havia um bilhete escrito somente FELIZ ANO NOVO.
Horas depois, Mariana dormia ao lado de FELIZ, seu mais novo companheiro. Fosse como fosse, mesmo sem brinde, tudo estava diferente e melhor. O pavê de uva, na geladeira, já tinha um pedaço a menos, e na agenda, Mariana anotara o endereço de um fornecedor de suco de gabiroba. São Epicuro talvez fosse porreta mesmo. Estava pronta para os desafios de 2022.
Ali perto, dona Joana, que saíra do plantão mais cedo, sentia que havia feito a coisa certa...