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É claro que esse texto poderia ser mais uma manifestação quanto ao atual estado de coisas. Eu poderia reiterar, mais do que já disse por aí, que não somos, enquanto população, tão inocentes quanto ao temos passado. Elegemos os políticos que aí estão ou estiveram no poder e, quando chega nossa vez de demonstrar que temos ao menos um verniz melhor, saímos por aí tentando abastecer nosso carro ou nosso carrinho de compras sem ao menos nos perguntarmos se tal conduta irá afetar o próximo.

Isso sem dizer, por óbvio, do absurdo da falta de respeito, de caráter, de solidariedade de quem saiu vendendo pelo triplo do preço toda sorte de mercadorias que já estavam em estoque, simplesmente pela chance de lucro fácil e obsceno. Assim, lamentável, por dizer o mínimo, percebermos que somos uma sociedade doente que fica esbravejando tola e inutilmente, contra a veneno que se auto inoculou. Não são poucas as vezes nas quais eu penso que não há saída, exceto uma porta de saída.

Apesar de todos os pesares, não vou dedicar esse texto a falar mais sobre esse assunto do que os parágrafos acima, até mesmo porque, sem dúvida, há quem possa fazê-lo com mais propriedade e melhores argumentos, alguém que seja capaz de defender ou justificar o que minha miopia intelectual não permite. Quero contar, assim, de forma sucinta, a história do Aipim e do seu dono, o Vinicius.

Nessa semana, indo a pé para o dentista, passei em frente a um supermercado da região em que moro e logo minha atenção foi capturada por um gato que, preso a coleira, estava deitado na frente do referido estabelecimento, sobre um cobertor. Como já estava atrasada para meu compromisso pensei com meus botões que, se na saída ele ainda estivesse ali eu iria parar para olha-lo melhor e descobrir algo sobre aquele fato relativamente inusitado.

Na volta, com a boca anestesiada e dormente, vi que ele ainda se encontrava no mesmo local, agora acompanhado de um rapaz que supus seu dono. Comprei-lhes, a ambos, algo para comer e parei para bater um papo. O rapaz, aparentando cerca de vinte e poucos anos, falava bem e não aparentava ser usuário de drogas, logo me deu dicas sobre como fazer para um gato se acostumar a usar coleira e guia, eis que contei a ele que tentei, em vão, fazer isso com meus quatro felinos.

Contou-me um pouco também sobre sua história de vida e a razão para estar na rua, despejado de sua própria casa. A história pareceu-me razoavelmente verdadeira, mas não me cabia e nem me cabe julgá-lo. Apenas que gostei de conversar com ele, de brincar com o gatinho e de lhes proporcionar um pouco de conforto. Pedi para tirar uma foto e ele me disse que nem poderia negar a quem pede, sobretudo quando o fazem regularmente sem pedir.

Fiquei pensando o quanto falta a ele, mas o quanto sobra, paradoxalmente. Despedi-me dele pensando se poderia fazer mais algo para ajuda-lo e ao que ele me agradeceu pela atenção que lhe deu, eu fiquei pensando que, de várias formas, eu é que deveria fazê-lo. Uma vez mais me senti cansada, exausta até, porque é muito complicado viver sem ter olhos ou empatia para a dor alheia e, ao mesmo tempo, ver o quanto de gente imbecil há no mundo.

Não vou aqui enaltecer o rapaz e discursar que ele é uma vítima, pois, de verdade, nada sei sobre a vida dele. Só sei que diante de não ter praticamente nada, ele cuida do amigo gato com mais respeito e amor do que muita gente. Só vi que ele é gentil com quem o aborda, enquanto o contrário não é verdadeiro e eu pude, infelizmente, presenciar isso. Diante da aridez dos últimos dias, encontrei, no meio de cobertores velhos, um pequeno oásis de gratidão e respeito e, por esses pequenos presentes, continuo não perdendo a fé...