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No Brasil, há alguns meses, temos experimentado a sensação de que as coisas, aos poucos, voltam aos seus lugares. Com mais da metade da população vacinada, renasce a esperança de dias melhores, de alguma normalidade. Embora nada traga de volta os dias e as vidas perdidas, é preciso prosseguir, é necessário encontrar algum ponto de apoio para ser possível sobreviver. A história da humanidade é inegavelmente resultado da capacidade de adaptação, mesmo diante das maiores tragédias.

Contudo, esse delicado equilíbrio está em risco outra vez. No mundo todo começam as notícias sobre uma 4ª onda do vírus e ainda não há exata dimensão sobre a eficácia da vacina diante das novas investidas do atual inimigo número um dos seres humanos. Alguns países já fecham fronteiras e colocam seus cidadãos dentro de sete chaves. Enquanto aqui, no Brasil, vivemos um aparente momento de respiro, o ar puro e seguro começa a ficar escasso ao nosso redor.

Embora eu não tenha conhecimentos técnicos para mensurar a situação, bem como quais as melhores medidas a serem tomadas pelo Poder Público para tentarmos evitar que o vírus nos encontre desprevenidos, acredito que uma dose de bom senso já seja o suficiente para que nova tragédia não sobrevenha. Ou é isso ou de fato sou uma pessoa muito ignorante.

Embora eu saiba que já quem relute em usar máscaras, bem como quem não acredite e que se negue a tomar a vacina, o que mais me assusta é a possibilidade de, em poucos meses, as festividades de Carnaval venham a acontecer, com a aglomeração de milhões de pessoas, todas agrupadas e sem máscaras, trocando saliva e suor. Não creio que seja preciso ser um gênio da infectologia para imaginar o resultado disso.

Parece-me que, no fim das contas, pouco importam as vidas perdidas, mesmo aquelas que resultaram em protestos de artistas, em acusações disparadas a qualquer um que agisse ou defendesse posicionamento contrário. Diante dos possíveis ganhos econômicos com essa festa popular que movimenta quantias astronômicas, favorecendo a indústria das fantasias, das bebidas, da música, das emissoras de televisão, entre outras, o negócio é deixar rolar e fingir que está tudo certo.

Depois do Carnaval, aparecerão os teóricos e outras “autoridades” para dizer que tudo estava bem, mas que, “inexplicavelmente” o vírus encontrou um jeito de voltar. A culpa será das vacinas ruins, das pessoas que saem para trabalhar todos os dias e que se quisermos sobreviver será preciso fazer sacrifícios (aqueles que eles nunca fizeram e nunca farão), fechando escolas, tribunais, postos de trabalho, comércio e fronteiras. Caem as máscaras dos pierrôs e sobem as máscaras da hipocrisia.

Então, no mês de novembro, pergunto-me se ainda não é tempo para refletirmos sobre isso. Vamos convidar o vírus para desfilar na passarela da nossa irresponsabilidade? Qual será o discurso dos governantes diante disso? O governo do Estado já anunciou a liberação das máscaras em locais abertos para o começo de dezembro, no que me parece, francamente, uma preparação para o Carnaval, onde se estará ao ar livre. E embora quem acompanhe meus textos nesses mais de vinte anos de crônicas saiba que não tenho políticos de estimação e que não levanto bandeiras político-partidárias, espero realmente que nossos governantes, em suas diversas esferas, pensem no povo e honrem suas responsabilidades como dirigentes.

Tenho acompanhado pela imprensa que muitos prefeitos aqui do nosso Estado fizeram sua parte e cancelaram o Carnaval. Embora isso não baste, eis que a população também precisa fazer a sua parte, sobretudo considerando as festas também de final de ano, a ausência de uma festa oficial e coletiva é um passo importante e necessário na luta contra o avanço e retorno da Covid-19 (20, 21, 22...)

Embora isso nem venha ao caso, registro que na essência não sou oposição ao Carnaval e entendo que, em tempos mais felizes, é um evento que tem caráter (cada vez menor, no entanto) cultural e que é responsável por muitos postos de trabalho, movimentando a economia. Tenho absoluta certeza de que as pessoas anseiam pelos momentos festivos, ao lado dos amigos, comemorando a vida que, tão limitada nesses quase dois anos, quer gritar e cantar, mas ainda não é o momento para isso.

Precisamos ter um pouco mais de paciência e de resiliência, sobretudo em respeito às centenas de milhares de vidas que se foram, aos amigos, familiares e amores que não podemos mais abraçar, pelos filhos que ficaram sem pais, pelos pais sem filhos, pelos imensos vazios impossíveis de serem preenchidos. Não é admissível sermos tão idiotas a ponto de aceitarmos, uma vez mais, sermos massa de manobra, servindo a interesses que não são o bem comum.

Algumas vezes não dá para ficar em cima do muro. Viver é tomar partido, mesmo às custas do desagrado alheio. Que Momo, ao menos, seja um rei com mais juízo do que temos visto pelos reinos de cá. Ainda é tempo.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e não tem medo de parecer chata – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br