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gigi

A existência dos animais, humanos e não humanos, é marcada pela imprevisão, pela ausência de controle. Ilude-se quem acreditar no contrário. Nossos planos são meros rascunhos feitos a lápis, os quais o destino rasura e apaga quando bem lhe apraz. Não quero e não vou adentrar na discussão sobre o Divino, sobre se há ou não alguma razão para o que nos acontece, para as trilhas que somos, muitas vezes, obrigados a trilhar. Vou me restringir, assim, à experiência dos nossos dias.

Em família temos já uma tradição, depois de várias situações imprevistas, de não fazermos muitos planos. Muitas foram as vezes nas quais um dia ou dois antes de nos reunirmos, antes de alguma viagem marcada, que tivemos que reajustar nossas velas. Ou era uma das crianças doentes, ou meus pais, ou nós mesmos. Outras vezes, nossos animais de estimação precisavam de nossa atenção imediata.

Isso tudo, óbvio, sem dizer os planos que a pandemia jogou no lixo. No nosso caso, felizmente, permanecemos todos com saúde, embora a COVID tenha nos rodeado de perto. Por outro lado, também nos atingiu em cheio em outros tantos aspectos, tal como fez a milhões de pessoas no mundo. Assim, diante das tantas variáveis, tentamos, em família, fazer planos apenas a curto prazo.

Acredito ser uma pessoa razoavelmente organizada e, por isso, gosto de fazer listas de atividades e de planejar as coisas. Tem sido um exercício e tanto me desapegar do que não posso prever. Ainda assim, mantenho uma agenda com a programação de tarefas diárias, principalmente as profissionais. É isso ou não dou conta das tantas coisas que me proponho a fazer.

Ontem mesmo eu havia me programado para escrever meu texto da semana, logo após um curso que estava fazendo pela internet, ao vivo. Com uma longa lista para os próximos dias, tudo ia muito bem dividido pelo tempo de que eu acreditava dispor. Assim, seguia acompanhando as explicações do professor, atenta e rindo das minhas inúteis tentativas de fazer igual, quando vejo uma cena que sempre me desconcerta: minha cachorrinha Gigi, com seus recém completados dois anos, se contorcia em convulsões.

Descobrimos nesse ano, após vários episódios, todos sempre muito assustadores para mim, que ela é epilética idiopática. Significa que não há uma razão para isso, ao menos não uma que a medicina veterinária moderna seja capaz de identificar. Essa condição, incurável, faz com que ela tenha que tomar remédios para o resto da vida. Até aí tudo bem, é o menor dos problemas.

A questão toda é que ela é extremamente resistente aos remédios e em pouco tempo eles vão perdendo a eficácia, sendo necessários ajustes. Em paralelo, no meu anseio de mantê-la estável, fui atrás de alimentação natural, de ervas chinesas, florais e de acupuntura, que ela faz semanalmente. Gigi é uma cachorrinha extremamente alegre, brincalhona e saudável, exceto quando as crises a atingem. É uma pena de se ver. E isso me destrói, pois fico impotente, olhando um ser que não faz ideia do que se passa.

Uma vez mais, ontem, fiquei ao lado dela e, tendo a felicidade do apoio de um veterinário que atende ligações a qualquer hora do dia e da noite, fomos ajustando, uma vez mais, a medicação até conseguirmos estabilizá-la novamente. Não dormi praticamente nada, larguei meu curso para lá e nem me lembro mais qual era o assunto que iria originalmente ocupar essa coluna. Agora, enquanto escrevo, aproxima-se a hora de dar a medicação outra vez e meu coração vai ficando apertado, desviado da tranquilidade de menos de vinte e quatro horas atrás.

Risquei da minha agenda vários compromissos, realoquei atividades e estou à mercê do destino, como aliás sempre todos estivemos. Em uma existência repleta de caminhos, nem todos são nossas escolhas. Algumas rotas são desvios que não podemos evitar.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e nesse momento está com o coração apertado e sem rumos definidos – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br