Eu já dormia, cansada depois de um intenso dia de trabalho. Meu marido ouviu o que parecia uma briga de gatos, já passado das duas da manhã. Como o barulho vinha de fora e nossos felinos não têm acesso à rua, ele não deu muita importância. Em nosso quarteirão há muitas casas com gatos, mas quase todos são impedidos de sair por telas colocadas nos muros e janelas. Um ou outro, no entanto, burla as barreiras e faz excursões noturnas, quando a rua está silenciosa e calma.
Muitos moradores colocam comida para os vários pássaros que voam livres pelos arredores. Apesar do descaso de alguns, o bairro é razoavelmente arborizado, com praças e parques próximos. A existência de árvores como pitangueiras, amoreiras, ameixeiras e outras frutíferas colabora para que muitas espécies de aves tenham ninhos nas redondezas.
Converti a pequena sacada de casa em local de alimentação para os sanhaços, azulões, sabiás-laranjeira, rolinhas, maritacas, bem-te-vis e até pombas. Frutas e sementes são oferecidas diariamente por mim e tudo é consumido em poucas horas. A fartura de comida talvez tenha sido um dos motivos pelos quais um casal de sabiás construiu seu ninho em uma pequena árvore quase em frente de casa.
Há poucas semanas notei o ninho pela primeira vez e identifiquei o casal de moradores. De cara temi por eles, torcendo para que ninguém com más intenções lhes fizesse mal. Por ser outono a árvore estava sem folhas, o que deixava o ninho, que não ficava no alto, bem visível. Da minha sacada eu acompanhava a rotina do casalzinho. Enquanto um saía para buscar comida, o outro ficava lá, embaixo de sol forte, protegendo o seu conteúdo.
Quando a noite chegava, quando o tempo estava mais fresco, ambos saiam, talvez para descansar. Nas madrugadas, ouvíamos o canto tão característico dessas aves, quase como se estivessem dentro do nosso quarto. Fácil, nesses momentos, esquecer de que vivemos em umas das maiores cidades do mundo. Muito bom dormir com essa trilha sonora.
Notei, em uma das minhas observações, que os filhotes haviam nascido, pois os pais se revezavam alimentando os pequeninhos parcialmente escondidos no ninho. A vizinhança, encantada com esse pequeno milagre da natureza, vigiava o ninho, esperando pelo dia no qual os filhotes ganhariam o céu. Não foi esse, no entanto, o plano do destino.
No dia seguinte após a aparente briga de gatos, saí para ir à padaria e fui mais perto para procurar o ninho, eis que a árvore já estava cheia de verdes folhas depois de alguns dias de chuva. De início achei que algo estava errado ou que meus olhos me enganavam, pois não conseguia enxergá-lo, por mais que me esforçasse.
O ninho tinha sumido, restando apenas alguns resquícios no chão. Investigações amadoras apontaram que o provável culpado seja um gato que vive na rua debaixo e que é livre para ir e vir como bem quiser. Uma vizinha encontrou o que supomos ser a triste prova do hediondo crime. Um cadáver jazia abandonado em frente à residência do vil assassino. Lá estava um dos filhotes do laranjeira, o fruto de tanto cuidado e trabalho, morto sem razão aparente.
Caçadores, os gatos seguem sendo gatos, pouco importando se estão ou não com fome. Sei que a natureza tem suas próprias regras, mas isso não impede que eu me sinta muito mal pelas aves. Imagino o desespero da mãe que não teve qualquer chance diante das garras do felino e do pesar diante do ninho destruído. Essa semana toda o canto se intensificou, curiosamente. Para mim, agora, parece somente um triste lamento em lá sustenido.