E por fim chegou a minha vez de tomar a segunda dose da vacina contra a COVID-19. Fiquei muito mais ansiosa e tensa na primeira dose. Em verdade até me emocionei na época. Uma sensação de quem sobreviveu para ter aquela chance, aquele respiro em meio ao turbilhão de pessoas doentes e morrendo.
A vacina que tomei não me deu efeitos colaterais, ao menos não os visíveis. Somente uma leve dor no braço. Não mudei em nada minha vida, contudo, depois da primeira dose. Continuei saindo pouco de casa e apenas o tanto quanto necessário, com as cautelas necessárias.
Mais de dois meses se passaram e me programei para segunda dose. Ao contrário da outra vez, já estava mais calma e me dirigi para o posto de vacinação sem me preocupar com o tamanho das filas. Um pouco de estresse eu tive no dia anterior, contudo, pois me lembrei de que precisaria encontrar minha carteirinha, que estava tão bem guardada que sequer conseguia ser achada.
Chegando ao posto vi que a fila era pequena. O clima também era bem diferente do que reinava na primeira vez, onde todos aparentam estar nervosos, na expectativa. Muitos idosos para tomar a 3ª dose e alguns procurando por certa vacina em falta, mas de modo geral, tudo estava bem tranquilo.
Definitivamente não gosto de injeção. Acredito que seja um pavor que trago da infância, quando as seringas ainda eram de vidro e as agulhas tinham um calibre hoje impensável. Tomar injeção era sinônimo de algo sério e doloroso. Fazer exames de sangue, tomar anestesia ou qualquer coisa que envolva agulha me causa arrepios. Só não dou escândalos por pura vergonha.
No caso da vacina contra a COVID, porém, o meu desejo de alguma proteção era ( e ainda é, por óbvio) tão maior que sequer me lembrei da agulha. Para minha sorte a pessoa que aplicou tinha mãos de fada e eu não senti absolutamente nada. E foi assim, nesse espírito, que me dirigi para a 2ª dose.
Em um dia excepcionalmente frio para um mês de setembro, tirei a blusa e já meio tremendo, vi a enfermeira preparando a agulhada. Não vai doer, pensei. Fiz minha melhor cara de “nem tenho medo, sou adulta” e fingi que ia olhar para alguma coisa na parede do lado oposto. Álcool geladinho como preliminares e dois segundos depois eu senti como se meu braço estivesse sendo furado com um cano de PVC. Não consegui evitar um gemido leve, porque senti cada gota entrando no meu corpo.
—Doeu?
—Imagina. Eu que sou molenga mesmo. Não gosto de agulhas não.
Dei uma risadinha nervosa e saí dali rapidinho para preservar minha dignidade. Tinha doido e muito, mas ainda assim eu só sentia gratidão pela chance de proteção e esperança diante da doença que nos deu tantas precoces despedidas.
Hoje, dia em que escrevo esse texto, tento fazê-lo sem movimentos bruscos com a mão esquerda, para preservar um braço que parece pesar cinquenta quilos e o qual sou incapaz de levantar. No local mal posso encostar. Lembrei-me de uma música1 antiga cantada pela Gal Costa que dizia “dessa vez doeuuu demaissss”.
Na mesma música, outra frase me traz à reflexão, pois para quem não conseguiu se vacinar a tempo, “amanhã será jamais”.