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Pensei muitas vezes antes de me decidir sobre se escreveria ou não sobre esse assunto, mas acabei cedendo à vozinha que, dentro de mim, falou mais alto. Enfim, penso ser importante ao menos uma reflexão sobre alguns acontecimentos envolvendo a rede de supermercados Carrefour.

Em uma rápida pesquisa pela internet foi possível identificar pelo menos oito tristes episódios envolvendo a empresa. A título de exemplo, vou focar minhas considerações nos três casos mais recentes.

Em dezembro de 2018 um segurança que prestava serviços em uma das lojas, na cidade de Osasco-SP, assassinou de modo cruel a cadela Manchinha, vira-lata dócil que vinha sendo alimentada como animal comunitário e que não fazia mal a ninguém. O episódio gerou comoção nacional e até protestos contra a empresa. Violência imperdoável. A imbecilidade e crueldade de quem perpetrou esse ato não encontram qualquer justificativa.

Em agosto desse ano, o promotor de vendas Moisés Santos, que trabalhava em uma das unidades em Recife, faleceu durante o expediente. Sem qualquer demonstração de respeito, solidariedade ou empatia, a loja prosseguiu aberta, optando por ocultar o corpo das vistas dos clientes, com a colocação de um guarda-sol. A vida de quem trabalhava também em prol da empresa nitidamente não vale nada e foi tratada, ao menos publicamente, como um mero inconveniente.

Entre outros problemas que a empresa vem “enfrentando” nos últimos anos, o ápice aparentemente foi atingido quando, nesse mês de novembro, um homem, João Alberto Silveira Freitas, foi espancado até a morte, sob pretexto de ser contido pelos seguranças na filial de Porto Alegre-RS. Nesse caso em especial muitas outras questões estão envolvidas e novamente o Carrefour se colocou no centro das piores atenções.

Primeiramente que a única situação que poderia justificar uma morte seria o uso da legítima defesa, o que, ao que consta do noticiado, não se aplica. Descartada essa possibilidade, resta registrar que não é dado nem ao Estado retirar a vida de alguém, considerando a inexistência de pena de morte no país, muito menos pelo absurdo da alegação de contenção. Ainda que o homem estivesse cometendo algum crime, somente seria legítima a oposição equivalente, com a consequente chamada da Polícia.

O caso veio à tona e se tornou mote de muitas manifestações e protestos, notadamente porque a vítima era negra. Intimamente eu me perguntei se a atuação dos seguranças teria sido outra se a pessoa fosse branca e concluo que talvez, mas não tenho a menor dúvida de que se fosse alguém que aparentasse uma classe social mais alta, por certo os seguranças e fiscais agiriam diferente. Não estou negando que exista preconceito quanto à cor da pele, por mais que isso me pareça abominável, mas ninguém colocaria as mãos em uma pessoa rica, muito menos nesse nível.

Após incidente muito se falou sobre a vítima. Até uma suposta ficha de antecedentes foi transmitida. Ainda que seja verdade, uma coisa não se relaciona com a outra. O funcionário do Carrefour não é juiz e muito menos carrasco. A questão, ao menos para mim, é outra. Somente discordo da tendência brasileira de transformar algumas pessoas em mártires, mas isso é assunto para outro texto.

Pessoas dos mais altos escalões da empresa vieram a público apresentar desculpas, mas estou certa de que não convenceram ninguém. Palavras nada são sem atitudes e algo está muito errado com o Carrefour. Talvez sejam as políticas institucionais que não se amoldam aos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, não sei. Seria a porca economia cada vez mais em moda no empresariado de que as metas financeiras se sobrepõem a qualquer valor humano, levando, entre outras coisas, à contratação de mão de obra pouco qualificada?

Acredito que a empresa precise reavaliar muitas coisas. Talvez em outro país isso desse margem para o fechamento das lojas, não sei. Aqui, infelizmente, acredito que somente os responsáveis diretos irão ser penalizados e nada mais. Vidas negras, brancas, animais ou humanas, todas importam e não podemos aceitar atitudes como essas como se fossem apenas pequenos incidentes.

Sinto pelas milhares de pessoas que trabalham nas lojas do Carrefour e que realizam seu trabalho com dignidade, mas meros e vazios discursos de CEOs e CFOs ou que sigla usem, não deveriam bastar para calar as nossas bocas.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada e se revolta com o descaso pela vida, seja ela qual for – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.