Nossa primeira tarefa da Oficina de escrita ministrada e idealizada pelo Prof. Celso Sisto, era produzir um texto sobre por que e como surge e ressurge a escrita em cada uma de nós. O grupo formado pelo professor e mais doze mulheres, todas amantes das letras, reúne-se semanalmente de forma virtual, eis que estamos quase todos em cidades diferentes, para estudarmos a obra de Roald Dahl. Para quem não conhece, é o autor de, dentre outros muitos livros, “A Fantástica Fábrica de Chocolate”.
Escrever sempre foi uma urgência na minha vida. Começar aos seis já era tarde demais para alguém que via nos livros mundos inalcançáveis, cujas portas foram se abrindo conforme as letras foram fazendo sentido ao se colocarem lado a lado. Antes de saber ler e escrever, no entanto, fui uma ouvinte atenta, uma observadora por natureza e uma curiosa acima de todas as coisas.
Acredito que nasci inventando histórias, primeiro para mergulhar na minha própria existência e, depois, para viver outras vidas, menos ordinárias do que essa que me habita e me limita. Não sei se tenho um processo de escrita, muito menos alguma fórmula que valha ser ensinada ou anunciada, mas como fui instada a pensar sobre isso, tratei de remexer meus lugares secretos.
Ao escrever, assim, misturo sonhos com desejos, memórias com realidade e vou criando universos nos quais encolho até caber em um formigueiro, do qual sou a rainha, a prisioneira e a convidada. Minúscula, vivi lá dentro até que por mim deram falta, aumentando como Alice, atormentada pelo relógio que nunca deixou de me mostrar que já é tarde, muito tarde.
Alquimista, fiz meu maravilhoso remédio de Cinthya e, misturando tudo que achei na cozinha, de álcool a pimenta, coisas que curavam os arranhões, as dores de cabeça e tiravam mau cheiro, preparei uma poção mágica que despejei sobre um pobre frango machucado. Da forma como me lembro, primeiro o matei e depois o ressuscitei. Foi aí que me formei em veterinária de papel, para depois virar atriz, palhaça e escritora de coisas que nem existem e nem nunca existirão de verdade.
Ganho asas enquanto meus personagens descobrem que podem voar. Com a respiração presa, faço as palavras mergulharem em abismos profundos, mas quando emergem sou sereia e percebo que sou capaz de respirar onde bem me der na telha.
Fui criança no meio do mato, cercada por velhotas contadoras de histórias, as quais fui traduzindo para o papel, acrescendo pontos, vírgulas e reticências, esculpindo parágrafos, construindo montanhas que arranham o céu. Conheci o lobisomem que morava nos causos da vizinha cega de um olho, que morava em uma casinha de madeira e tinha cheiro de fumo de corda.
Cresci e fui envelhecendo por fora, ocultando dos perigos da chatice uma menina que ainda acredita ser capaz de subir na goiabeira, no cajueiro, no topo do mundo. Vou enterrá-la junto comigo quando essa casca que habitamos juntas, indissociáveis, não servir mais para nada. Só as palavras que semeamos, espalhamos ou escondemos por aí é que sobreviverão, caso sirvam a mais alguém.
Escrever histórias, inventar criaturas, fugir para outros planetas é meu meio de sobreviver, louca e lúcida, da realidade que não raro me dá menos do que a ficção é capaz de me proporcionar.
Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e escreve porque não é capaz de não fazê-lo –