A corretora estava na porta da casa de dois andares, encravada no meio de um bairro antigo da cidade. Era baixinha e estava toda vestida de preto, uniforme das corretoras de residências mágicas. Exigência do sindicato, para passar credibilidade aos futuros compradores ou inquilinos. A sociedade mágica estava cada dia mais exigente.
A família interessada naquela residência era composta de um casal e uma criança de uns cem anos de idade. Eram meio duendes e pela primeira vez naquele século, depois de passarem pela rigorosa análise documental, tinham conquistado o direito de morar na cidade grande, em meio aos humanos comuns.
—O preço está ótimo! Nós gostamos bastante da casa. E acho que ela gostou da gente também, pois aceitou a proposta de aluguel e só fez poucas exigências. Não quer ser pintada de vermelho e pediu para plantarmos coentro ao redor dela.
—Ah que bom! Nós, bruxas corretoras, ficamos felizes em poder ajudar. Nossas casas são as melhores do mercado. Todas descendentes dos mais famosos clãs de casas ancestrais. Como vocês devem saber, são raras hoje em dia. São casas com tradição, bons modos, embora algumas, às vezes, possam ser um tantinho temperamentais.
—Como assim? Pensamos que todas fossem domesticadas e inofensivas.
Engolindo em seco, a bruxa enxugou o suor que escorria pela testa, tentando se explicar:
—Digamos que certas casas conservam hábitos meio selvagens, não se desvinculando do passado, quando estavam em locais de caça abundante. Então, preciso lhes dizer que algumas gostam demais de animais de estimação. Mais do que deveriam, inclusive.
A mãe duende, meio transtornada, começou a olhar em volta, aflita.
—Desculpe-me, não estou entendendo. Esta casa aqui é feral? Onde está o Nino? Ninooooo, cadê você?
Puxando a filha pelas mãos, pediu a ela que fosse procurar pelo gato da família.
—A senhora trouxe um gato para cá? Mesmo sem antes checar os protocolos? Bem, preciso verificar uma coisa imediatamente e acho recomendável procurarem o gato enquanto isso.
Enquanto caminhava apressada para fazer algumas ligações, a bruxa torcia para que nada desse errado em seu primeiro dia de trabalho como corretora de imóveis mágicos. Não queria ter que voltar a fazer poções de amor baratas no caldeirão velho herdado das tias.
Minutos depois, mais calma, a mulher garante que não haverá problemas e que a família de duendes e o gato deles poderiam se mudar para o local em pouquíssimas luas.
—Podem ficar tranquilos. Essa não come animais de estimação, por sorte. Gatos, em especial, são especialmente indigestos para ela. Na última vez que engoliu um, por acaso, expeliu fumaça por mais de um mês seguindo.
—Então é seguro? Tem certeza? Ela não gosta de gatos mesmo?
—Perfeitamente seguro. Minha supervisora me garantiu. Nada de gatos.
Assinado o contrato de aluguel para trinta anos, com pagamento adiantado, a corretora foi para casa comemorar. Foi quando leu, nas letras miúdas, sobre as preferências alimentares daquela casa. Ao menos em pouco tempo teria novamente uma casa ancestral para oferecer aos clientes e, como bônus, incluiria um gato malhado.