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Comecei escrevendo poesia, mas minha prosa logo encontrou o rumo que desejava: escrever para crianças e jovens. Aventurei-me nesse caminho antes de me tornar cronista e publiquei alguns livros infantis que me deram o melhor dos retornos possíveis: leitores. Não há qualquer sentido, segundo creio, em ser um escritor que ninguém lê. Todo aquele que escreve tem, mesmo que não confessado, o desejo de que suas palavras sejam colhidas por outras pessoas, que possam fazer eco dentro de outras mentes.

Realmente perdi as contas de quantas cartinhas recebi de crianças que, juntamente com suas professoras, trabalharam meus textos nas salas de aula. Certamente foram quase duas centenas. Sei que não é um número expressivo para um escritor de sucesso, mas para mim sempre foram um presente, algo que ia muito além do que eu esperava.

O tempo foi passando e entre um boleto e outro acabei negligenciando meus projetos na literatura infantil. Meus leitores cresceram e embora eu tenha ainda as cartinhas, todas guardadas como tesouros de uma vida que idealizei e que em parte vivi, sinto que os perdi irremediavelmente, porque a infância é um lugar para onde não se pode voltar.

Conversando com um amigo pediatra, ele compartilhou comigo um sentimento parecido: o de perder os pacientes que, crescidos, nunca mais retornam, exceto quando e se levam os próprios filhos. Mas sempre serão outros pacientes. Perdidos para sempre os meninos e meninas aos quais ele se apegou e dos quais cuidou por vários anos. É um tipo de orfandade que não se explica, apenas se sente.

Contudo, das minhas perdas, as que mais me doem, que me arrancam pedaços das letras, que me roubam palavras, são aquelas dos meus leitores mais experientes. Em algum momento, tenho percebido, atingi um público leitor de mais idade, idades para as quais, dia a dia, caminho a passos ora lentos, ora acelerados.

Nesses mais de vinte anos escrevendo e publicando semanalmente, conheci tantas pessoas sensacionais, tão generosas comigo que nem sei traduzir em palavras, não sem parecer que se trata de uma auto exaltação. Efetivamente é o contrário disso. O meu apego é porque eles me cativaram, porque me tornaram, de um modo que não sei explicar, em leitora fiel das mensagens que me enviavam. Muitas vezes, escrevendo, fiquei a imaginar como reagiriam e por isso alterei palavras, tons, mensagens.

E tenho perdido tantos deles durante esse caminho, porque a vida é efêmera demais, que as vezes me custa prosseguir. Sinto falta desses amigos que as letras me deram e quando tenho notícias de que se foram desse plano, minha escrita fica em luto, e preencher o vazio do papel quase nunca preenche o vazio que vai ficando em mim.

Não vou citar nomes, no entanto. Seria injusto e deselegante. A presença deles na minha vida, nas mensagens de e-mail que nunca apaguei, faz parte do meu baú de lembranças, das memórias que só interessam a mim. Escrevo, no entanto, para externar a dor que sinto por essas partidas, porque os vínculos criados são a minha teia de proteção contra a loucura, a solidão e outras tantas mazelas que por vezes rondam a todos nós.

Alguns dizem que o escritor busca a ilusão da imortalidade, na esperança de que suas palavras sobrevivam aos seus parcos dias nesse mundo. Acredito que seja mais do que isso. Como cronista de jornal, sei que o destino dos meus textos é acabar forrando alguma prateleira, porque o jornal de ontem já é o reciclável do hoje, mas sempre que um leitor se vai, roubado de mim pelos loucos ponteiros do relógio, entendo um pouco mais e aceito um tanto menos, a finitude das coisas, a pequenez desse lapso de tempo que chamamos de vida.

  

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e gostaria de tornar eternos os leitores que ousadamente chama de seus – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br