—Mas em tudo há poesia – disse-me ele, sem desgrudar os olhos do céu – a poesia mora até mesmo nas palavras e, às vezes, existe apesar delas.
Terminou assim o módulo de poesia do meu curso de escrita criativa, com frases de um professor que me trouxe de volta o apreço por um gênero do qual me afastei há vários anos.
Comecei a me expressar, na escrita, pela poesia. Gostava de formar versinhos, de brincar com rimas, de ler poesia de gente grande, repleta de imagens que me seduziam em significados que eu não era capaz de compreender.
Brinquei de ciranda com versos que corriam, ora para mim, ora de mim. Alguns me vivaram do avesso, outros me expuseram no anverso. Tantos momentos nos quais era mais simples combinar os sons, contar as sílabas e dançar na melodia que se formava, do que me entregar à prosa cheia de regras, de começo-meio-e-fim.
A poesia me fez companhia no tempo da inocência e dos primeiros amores. E como nos divertimos e choramos juntas. A vida, entretanto, enquanto nos lapida, também nos endurece, e entre desilusões e boletos, fui vivendo na prosa de dias menos poéticos.
Prestes a completar mais um ano de vida, na idade que se chama de meia, mas onde me sinto mais todo do que metade, volto meu olhar para a poesia, agora para reconhecer outras formas pelas quais ela se manifesta.
Aprendi que mesmo nos dias sem rima sou capaz de criar um arco-íris ao molhar as minhas plantas. E eu, que sempre cacei esses arcos de cores etéreas, vivo a alegria de saber que posso ter um ao meu alcance sempre que água verter através de mim. Os arco-íris da minha infância eram guardiões de tesouros, mas hoje sei que o pote de ouro é o que reluz enquanto sou capaz de admirar o feito da luz e da água que, combinados, são lindas caixas de lápis de cor.
Ouvi do professor que é preciso viver em estado de poesia e essa frase, hoje, faz muito mais sentido do que eu poderia supor há algum tempo. O problema é que confundimos poesia com formatações métricas, com rimas formadas por palavras de mesmo som, mas a poesia transcende a tais amarras. Aliás, a poesia sequer admite limitações, tão sinônimo de liberdade que é.
A mesma poesia que nasce no intervalo de soluços, morre engasgando aqueles que não a libertam, que não a trazem em escrita ou em outras coisas palpáveis. É preciso permitir que a poesia flua, venha do que jeito que desejar se achegar, abrindo picadas pelas nossas florestas, reflorestando a aridez de algumas almas.
Sou poeta menor, refém dos versos já criados, das rimas já testadas. Só é novo em mim a emoção de cada dia, sempre outra, porque eu sou sempre outra, mais e menos de mim a cada dia. Mas ainda assim, sou nascente, veio e oceano para a poesia que, aos poucos, parece em encontrar o caminho de volta pelo ser que chamo de eu.
Poetinha ou não, sou imensa quando a poesia, roubando-me a voz, expande-se para o mundo. Nesses tantos anos de vida já despejei baldes e baldes de poesia por aí, mais por não conseguir represar o que me excedia, do que para registrar qualquer coisa. Aprendi que a poesia pode ser só nossa, efêmera, vista em flores únicas, dita de frases esquecidas, sentida em abraços desejados. Em tudo, simplesmente, sê poeta, mesmo quando todas as palavras já estiverem ocupadas. Em alguns casos, só a poesia nos salva.