Nessa semana completei quase um mês sem consumir qualquer tipo de carne. Embora eu já viesse reduzindo progressivamente o consumo há alguns anos, ainda comia peixes e frango. Para ser honesta nem sinto falta, apenas ainda não consegui criar um cardápio variado, nutritivo e saboroso como eu gostaria. Ovos mexidos, cozidos, fritos e omeletes tem sido os grandes protagonistas das minhas refeições.
Às sextas, dia em que vou até a feira livre que ocorre há menos de cem metros de minha casa, tenho comprado ao menos uma dúzia de ovos. Prefiro os caipiras, seja pelo sabor, seja pela esperança que tenho de que venham de galinhas criadas livres. São ovos de tamanhos irregulares e menores do que os de granja, mas também com cascas mais firmes e brilhantes.
Não gosto de comprar ovos no supermercado, pois sempre me dão a impressão de serem menos frescos. Há quase 10 anos eu os adquiro na mesma barraca, sempre montada no mesmo canto da feira. No início eram vendidos por uma senhora, cujo filho, adolescente, auxiliava. Agora, adulto, somente o rapaz continua vindo. Cada cliente escolhe os ovos, de acordo com seus próprios critérios e os coloca na forma de papelão, para serem embalados.
E foi na semana passada, selecionando os ovos que comporiam minha dieta semanal, que me lembrei de quando eu mesma criava galinhas, na infância e na adolescência. Recordei-me especialmente de quando eu e minha avó paterna, Sebastiana, conhecida como Dona Nena, escolhíamos os ovos que seriam chocados, em um ritual que só a nós duas pertencia.
Em geral separávamos uma média de seis a oito ovos, os quais seriam colocados sob uma das galinhas que estivesse choca. O mais curioso é que sabíamos identificar os ovos de cada uma de nossas quinze galinhas. Havia uma de pescoço pelado, a Pescocinho, uma carijó, a Xadrez, uma galinha ruiva que tinha pés enormes, a Pezão, as galinhas de ovos azuis, entre outras.
Invariavelmente tentávamos prolongar as linhagens de nossas preferidas e por isso era tão importante escolher os ovos corretamente. Ter uma galinha que fosse boa mãe e não muito brava também era crucial e sabíamos exatamente como a maior parte delas se comportava nesse quesito. Tivéramos experiências anteriores com galinhas que não gostavam de ficar muito tempo aguardando os pintinhos e saiam dos ninhos antes que todos nascessem, bem como algumas muito bravas, das quais sequer podíamos nos aproximar.
Decididos a mãe e os potenciais filhos, começava nossa espera, que durava perto de vinte e um dias, todos contados a dedo. Perto da data prevista já ficávamos de olho e era uma alegria quando nascia o primeiro e quando constatávamos que todos os ovos haviam vingado. Acompanhar o crescimento dos pintinhos era uma diversão à parte e torcíamos para que nenhum deles fosse macho, porque não tínhamos como ter mais um galo no local.
Lembrar desses momentos fez com que eu me transportasse ao passado. É quase como se o quintal dos meus avós continuasse existindo de algum modo, escondido em uma dobra do tempo. De certa forma é mesmo assim que sinto, tal como se as camadas da minha existência se sobrepusessem, mas pudessem ser folheadas, páginas que são de uma única história.
Manuseio os ovos que comprarei, pensando nas galinhas que os puseram e divago imaginando se alguém as seria capaz de identificar como um dia eu fui. Incrível, por outro lado, que máquinas do tempo existam em locais tão inusitados como em uma barraca de ovos de uma feira livre...