Vivenciei alguns momentos assustadores nessas minhas décadas vividas. Já fui assaltada a mão armada uma vez, já presenciei e estive em meio a acidentes automobilísticos, entre outras coisas. Nenhum deles, no entanto, se equipara ao pavor que sentia, quando criança, de que um dos meus pais morresse. Era comum que eu sonhasse com isso e acordasse aos prantos, mas no alívio de saber que se tratava de um sonho.
Tenho ainda a alegria da companhia de meus pais, mas durante a vida fui perdendo outras pessoas próximas, familiares e amigos, das mais diferentes causas, inclusive recentemente. Compreendo, racionalmente, a morte como a outra faceta da vida, como a ponta de uma linha cujo comprimento e espessura desconhecemos. Recebemos, de forma inconsciente, um carretel que julgamos infinito e na confusão dos nossos dias vamos desenrolando aleatoriamente o fio da existência.
Assim, sou capaz de entender que há um curso natural desse rio que se finda em uma curva qualquer, num repente até, desaguando em um mar desconhecido. Toda filosofia e poesia me ajudam nesse processo. A religião me conforta um pouco, em um plano que sequer sou capaz de explicar. De todo modo, admito, o medo de perder as pessoas que amo é muito maior do que o receio da minha inevitável finitude.
Quando penso sobre morrer, lamento os livros e as séries que não terei terminado, sobre as novidades tecnológicas que não experimentarei, os lugares do mundo que não conhecerei e, sobretudo, os abraços que ficarão inalcançáveis e, por isso, na medida do que me é possível, busco explorar os dias que me são dados, sem pensar no que não posso evitar ou prever.
Alguns combinados, entretanto, tenho com minha família, deixando registrado para qualquer um que sobreviver a mim. Sou doadora de órgãos e se, na minha partida, algo ainda for aproveitável, podem pegar o que tiver. O corpo físico me será inútil, mas talvez salve a vida de outra pessoa. No que sobrar quero que coloquem fogo. Do pó ao pó, mas sem passar pelas larvas (pavor).
Não quero ficar em um cemitério, lugar que não gosto nem de passar perto. Primeiramente gostaria que minhas cinzas fossem jogadas em algum lugar de muito verde, de flores, água. Pode ser no campo, na floresta ou mesmo em um jardim. Esse era o plano inicial, até que soube que é possível transformar as minhas cinzas em uma joia. Isso mesmo: posso virar uma pedra, uma preciosa. Amei.
Dei até uma pesquisada nos preços e vi que não é nada absurdo, sendo possível escolher inclusive a cor. Quero ser azul, minha preferida. Daí já fiquei até pensando que serei entregue a um dos meus sobrinhos, para ser usada no pescoço, como pingente. Como são quatro, podem fazer um rodízio e ficarei sob a guarda compartilhada da família. “Quem fica com a tia Cinthya esse mês, pessoal? Gentee, alguém viu a tia Cinthya por aí? Eu coloquei em cima da pia e agora não estou achando – ou ainda – Olha moço, leva o que quiser, mas não leva essa corrente, que é minha tia.”
Posso ser alçada à joia da família! Décadas depois e eu estarei por aí, talvez sendo o grande causo ou piada familiar, mas, de um jeito ou de outro, serei lembrada e da forma como gostaria: uma pessoa que ama a vida e gosta de fazer rir. Em resumo, uma joia de pessoa.