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 monstro

Há tempos sou assombrada por ele. Não o conheço pela face, eis que tenho evitado, por décadas, encará-lo frente a frente. Acredito que ele tenha se chegado a mim bem cedo, perto dos nove anos de idade. Foi quando arrisquei meus primeiros poemas.

Descobri que sabia fazer rimas e juntá-las no que me ensinaram chamar poesia. Embora eu me orgulhasse delas, o Monstro já se fazia presente.

Era por conta dele que eu temia mostrar minhas primeiras letras a todos. O que eu faria se não gostassem? Teria que parar o que nem tinha ao certo começado?

Cresci, tornei-me adolescente e o Monstro mudou de nome. Eu vomitava letras no papel de diários trancados a chave, despejando lá todos meus medos juvenis. O Monstro não era capaz de me fazer parar, mas me impedia, com grilhões invisíveis, de tornar públicas as coisas que mal admitia a mim mesma.

Escrever, em muitos sentidos, além de um projeto de futuro, sempre foi uma fuga. O branco do papel nunca me censura, jamais me diz para parar. O Monstro, tinhoso, é que ficava ao meu lado, roubando minhas palavras para me convencer de que tudo aquilo era um monte de idiotice, coisas tolas de uma menina tola e desengonçada.

Na juventude, decidi que enfrentaria o Monstro. Exibi poesias e prosa em concursos, em saraus, nas redações de sala de aula. Perdi o medo, arrisquei-me e escrevi sem amarras. Publiquei dois livros e o Monstro desapareceu por algum tempo. Senti a liberdade de sabê-lo dentro de algum armário, incapaz de me alcançar ou de impedir meus voos pelas pautas dos cadernos.

Ledo engano, no entanto. O Monstro me aguardava e se fortalecia enquanto eu baixava a guarda. Transformou-se e expôs garras imensas e afiadas quando entreguei primeira crônica para análise de um jornal. Os riscos vermelhos sobre meu texto eram o meu sangue que o Monstro vertia sem piedade. Dei-lhe o nome de Incapacidade. Eu era incompetente e ele me mostrara isso.

Foram longos anos em busca de alguma cura. Leituras e cursos sem fim eram as armas que fui colocando em meu embornal já esvaziado de letras. Amadurecida, encontrei um pequeno espaço em que o Monstro não chegava. E assim venho escrevendo crônicas há mais de vinte anos, pois as faço tão rápido que o Monstro, já envelhecido, não me alcança antes de publicá-las. Sempre fui boa em pequenas distâncias e descobri que assim ele não me vence.

De longe, porém, ele me continua a me espreitar do local escuro para onde o bani. Ri de minhas tentativas de escrever textos mais longos, pois sabe que o fôlego me falta. Nem se apressa em me alcançar. Conhece os muitos textos começados e perdidos pela metade em meu computador, em meus cadernos, em minha memória.

Hoje, no entanto, cansada da dominação que ele me impôs, resolvi encará-lo frente a frente e nele encontrei meu próprio rosto. Assustado, o Monstro não estava preparado para isso. O anonimato era sua melhor estratégia. Agora eu o conheço e não há mais volta! A mim mesma sei que sou capaz de vencer.

Cinthya Nunes