images/imagens/top_2-1-1024x333.jpg

 maos

Eu o conheceria em poucas horas. Meu coração estava aos pulos. A noite passada fora um misto de sonhos, pesadelos, de sentimentos que não posso explicar. Tudo o que eu tinha até aquele momento eram fotos. Muitas, por sinal. Ele era lindo, isso era inegável, mas eu não estava segura de como me sentiria ao vê-lo, ao tocá-lo, se chegássemos a tanto.

Acordei muitas horas antes do relógio me lembrar que aquele não era um dia qualquer. Mudei tantas vezes de roupa. Prendi e soltei meus cabelos. Escolhi perfume, óculos, sapato.

Queria parecer bonita também, na esperança de que ele não se importasse com a paralisia que congelou, há anos, metade de meu sorriso, do meu olhar.

Um parque foi escolhido para nosso primeiro encontro. Sentia o sol de outono que brincava de me aquecer, como quem zomba do vento fresco que bagunçava meu cabelo. Inspirei fundo vezes seguidas, buscando a calma que eu gostaria de demonstrar, porque temia que minha ansiedade, minha insegurança, pudesse estragar tudo.

Quando ele por fim chegou, desmoronei. As lágrimas que eu acumulara de outros desenganos, escorreram pelos meus olhos em um curso manso, mas contínuo. Naqueles olhos escuros eu me fiz refletir, iluminar, e soube, naquele instante, que nada mais seria como antes.

Disfarcei o quanto pude, repuxando o canto da boca que sempre parecia triste. Depois de alguns cumprimentos, sentamos lado a lado e ali ficamos, calados, enquanto cachorros corriam bobalhões atrás de suas famílias felizes.

Ele quebrou o silêncio e começou a me fazer perguntas. Desandou a falar, a contar sobre como eram os seus dias, seus amigos. Perguntou sobre mim, todas as perguntas que já foram inventadas e ao fazer isso, olhava tão fundo nos meus olhos que em menos de uma hora eu sabia estar apaixonada.

Saímos para caminhar um pouco. Compramos sorvete de morango para ele, limão para mim. Senti quando segurou a minha mão, conduzindo-me para muito além daquele lugar. A pele morena, quente, macia, era um porto seguro do qual eu não queria mais me soltar. Apertei-lhe delicadamente os dedos, acariciando das mãos cada milímetro e nada mais precisava ser dito, só vivenciado.

Trocamos confidências bobas. Eu também tinha medo de dormir com os pés para fora da cama e já fizera xixi nas calças umas duas ou três vezes. Rimos como velhos conhecidos e ali nos soubemos um par. Na hora de ir embora, ele apanhou uma florzinha do chão e colocou nos meus cabelos, acariciando o lado adormecido do meu rosto. Jamais houve abraço mais desejado, repleto de mundo e de futuro. Ele cheirava caramelo e entre os cabelos dele, meus dedos se demoraram um pouco mais.

Não haveria um adeus. Como eu viveria sem aquele olhar que me desvendara de pronto? Eu já ansiava por aquele toque novamente, pelo contato com aquela pele que parecia minha. Na despedida, entretanto, foi a vez dele chorar. Soluçava como menino de oito anos que era. Pediu-me, em um abraço apertado, que eu o fosse visitar ao menos mais uma vez.

Engasgada de emoções, prometi que nos veríamos ainda muitas outras vezes. Ainda abraçada a ele, inspirei fundo, capturando aquele misto de aromas que queria aprisionar na memória. Teria que ser o suficiente até que o processo de adoção pudesse ser finalizado, até que eu pudesse, por fim, parir aquele menino para o meu mundo.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e embora a narrativa acima seja fictícia, considera adoções legítimos atos de amor – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br